Autores: Fernando Castelo Branco e Frederico Crissiúma de Figueiredo

Atualmente, os escritórios de advocacia estão cada vez mais voltados ao assessoramento e defesa de pessoas jurídicas de direito privado (associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e partidos políticos ) que formam, em grande parte, sua clientela.

Ao mesmo tempo que esse movimento se consolida, testemunhamos, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, rápida e importante expansão de legislação criminalizadora. Isso decorre, fundamentalmente, dos mandados constitucionais de penalização que exigem tutela específica dos bens jurídicos eleitos pelo legislador constitucional originário .

Por essa razão, diversas leis foram criadas para atender aos mandamentos constitucionais e muitas delas têm repercussão direta nas atividades de pessoas jurídicas.

São exemplos os crimes contra: o consumidor (Lei no 8.078/90), a ordem tributária (Lei no 8.137/90), a ordem econômica (Lei no 8.176/91), as licitações (Lei no 8.666/93), o trabalho (Lei no 9.029/95), a propriedade industrial e intelectual (Leis no 9.279/96 e 9.609/98), o sistema eleitoral (Lei no 9.504/97), o meio ambiente (Lei no 9.605/98), etc.

Cresce, portanto, a preocupação com a responsabilidade criminal do advogado, no exercício da profissão, por dívidas e contingências de empresas-clientes.

Não podemos olvidar, ademais, que o problema pode ser agravado nos casos de advogados que representam seus clientes, principalmente junto a repartições públicas, em assuntos que, muitas vezes, guardam apenas distante relação com o exercício do direito, como questões burocráticas na esfera tributária, em licitações e obtenção de licenças, por exemplo.

Em razão do grau de confiança existente entre as partes, era comum, no passado, que o advogado até mesmo integrasse o contrato social, como quotista, ou exercesse a gerência da empresa-cliente. Atualmente, a representação ocorre pela outorga de procurações, ou por imposição legal, como nos casos dos decretos presidenciais que regulam a atuação de empresas aéreas sem filial no Brasil e a representação comercial de bancos estrangeiros.

Nessas hipóteses, qual seria a responsabilidade do advogado por irregularidades cometidas pelas empresas-clientes?

Para responder essa dúvida, que aflige muitos profissionais, principalmente num momento de desinibida atuação dos órgãos persecutórios, como a Polícia Federal, são necessárias algumas ponderações.

A pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social por meio de seus administradores, de modo que poderá, assim, incidir em condutas típicas.

A responsabilidade penal, diferentemente do que ocorre na esfera civil, tributária ou trabalhista, recairá, principalmente, nas pessoas físicas causadores dos atos ilícitos .

A responsabilização penal encontra seu balizamento no princípio da culpabilidade, consagrado em muitas constituições contemporâneas, inclusive na brasileira.

Em apertadíssima síntese, pode-se dizer que, para a caracterização da responsabilidade criminal pelo fato ilícito, não basta ao agente apenas causar o dano – o que representaria responsabilidade objetiva; deve-se, também, investigar se o resultado foi querido por seu autor, se foi produto de sua vontade , ou, ainda, se decorreu de culpa stricto sensu (imprudência, negligência ou imperícia) .

Nesse contexto, a hipótese de responsabilidade exclusiva do advogado, por crimes cometidos no interesse de pessoas jurídicas, não
é comum, pois decorreria de sua ação individual na gestão da empresa.

Pelas características próprias da administração das empresas, cuja gestão geralmente envolve diversas pessoas, o advogado poderá, no entanto, incidir na prática de crime em concurso de agentes.

A co-autoria, ou concurso de agentes, encontra previsão no artigo 29, caput, do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

E como é feita tal avaliação?

Os parâmetros que serão levados em consideração foram fixados pela doutrina e jurisprudência: a) pluralidade de comportamentos, ou seja, duas ou mais pessoas devem realizar condutas; b) nexo de causalidade, pois as condutas dos agentes devem ser relevantes e eficazes para o resultado; c) vínculo subjetivo, já que é indispensável a adesão à vontade do outro, ainda que não tenha havido prévia combinação; e d) a infração penal deve ser objetiva e subjetivamente igual para todos os concorrentes .

Como se vê, tal análise depende de fatores difíceis de serem apurados e identificados, o que, infelizmente, vem trazendo graves transtornos.
Tornaram-se comuns diligências de busca e apreensão em escritórios de advocacia sob o argumento de que os profissionais que os integram são co-autores dos crimes praticados por seus clientes. Isso justificaria, em tese, o afastamento da prerrogativa profissional da inviolabilidade de seu local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática .

Outro grave problema é o oferecimento de denúncias coletivas, atribuindo a prática de crimes indistintamente a todos os possíveis envolvidos no delito, eleitos pelo órgão acusatório, muitas vezes, por ocuparem a singela condição de “representantes legais” da empresa.

Trata-se de prática que contraria frontalmente o artigo 41 do Código de Processo Penal, onde estão elencados os requisitos da inicial, e que reflete tentativa de responsabilização penal objetiva, o que é vedado em nosso ordenamento, como já vimos.

Apesar de evidente violação ao status dignitatis do denunciado, a irregularidade vem sendo tolerada por nossos tribunais, sob a alegação de que a individualização das condutas será apurada no curso da instrução criminal: “Nos crimes de autoria coletiva admite-se o recebimento da denúncia sem que haja uma descrição pormenorizada da conduta de cada agente. Precedentes do STJ” .

Felizmente o Supremo Tribunal Federal, em suas últimas decisões, está revendo esse entendimento, permitindo-se antever seus efeitos no restante do judiciário e no Ministério Público: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu no sentido de que a descrição genérica da conduta nos crimes societários viola o princípio da ampla defesa” .

Como se percebe, a atuação do advogado como representante da empresa-cliente em situações que não envolvem diretamente o litígio judicial ou administrativo pode trazer o risco de envolvimento em investigações criminais, processos penais e até mesmo de condenação por crimes para os quais não concorreu intencionalmente.

Por essa razão, imperioso, ao advogado, agir com redobrada cautela, inteirando-se das atividades da empresa e de sua forma de atuação, procurando, assim, evitar situações que tragam graves consequências para o exercício de sua atividade profissional.
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Fernando Castelo Branco
Frederico Crissiúma de Figueiredo
Castelo Branco – Advogados Associados