Reflexos penais do Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental
Reflexos penais do Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental
Artigo publicado no Anuário 2015 do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
Autores: Fernanda de Almeida Carneiro, Lina Pimentel Garcia, Roberta Danelon Leonhardt e Vera Vidigal.
Dentre os princípios que regem o Direito Ambiental, podemos destacar a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, conforme estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, prevista na Lei 6.938/81. Em poucas palavras, busca-se conciliar o desenvolvimento social e econômico com a preservação do meio ambiente.
Se o meio ambiente for preservado, ou, caso não tenha sido possível evitar o dano, sua reparação teria ocorrido da forma mais rápida e integral possível, estaria afastada a justa causa para propositura de ação no âmbito penal? Ou o espírito da Lei não é apenas manter o meio ambiente sadio, mas, também, punir criminalmente aqueles que infringem suas regras? Afinal, o firmamento de termo de ajustamento de conduta gera, ou não, reflexos no Direito Penal Ambiental?
É sobre essas questões, de indiscutível relevância prática, e das posições bem definidas e antagônicas sobre o tema, que teceremos as considerações a seguir.
A primeira corrente, adotada de forma praticamente unânime por nossos Tribunais, apoia-se na Constituição Federal, que prevê, no parágrafo 3º do artigo 225, a possibilidade de tripla responsabilização dos autores de infrações ambientais, nas esferas civil, administrativa e penal.
Assim, de acordo com essa corrente, o ajustamento firmado na esfera cível não teria o condão de obstar a propositura de ação penal para apurar eventual crime que tenha sido perpetrado. Em que pese a valorização da recuperação do dano, permaneceria, atendendo aos ditames constitucionais, a necessidade de intervenção no juízo criminal.
Ademais, argumentam, o Ministério Público teria o dever legal de promover a persecução, estando vedados quaisquer critérios de conveniência ou oportunidade no exercício da ação penal pública, pautado no princípio da obrigatoriedade.
Aduzem, ainda, que a própria Lei dos Crimes Ambientais recepcionou a independência das vias de responsabilização, ao estabelecer, como requisito para a obtenção de transação penal e suspensão condicional do processo, a reparação integral do dano (artigos 27 e 28 da Lei 9.605/98).
O termo de ajustamento de conduta teria reflexo, portanto, tão somente na dosimetria da pena, no caso de eventual condenação (artigo 14, II, da Lei 9.605/98).
Já o segundo posicionamento, atualmente adotado pela maior parte dos doutrinadores, traz uma visão mais moderna da matéria.
A independência das esferas prevista no artigo 255 não poderia se sobrepujar a outros valores consagrados em nossa Carta Magna, como o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Segundo essa corrente, se o termo de ajustamento de conduta é a forma mais célere de alcançá-los, eventuais antagonismos devem ser superados com utilização de critérios que permitam ao Poder Público ponderar e avaliar, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deve ser o direito a preponderar no caso, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 3540, Rel. Min. Celso de Mello, 1º.9.2005).
Assim, a previsão de tripla responsabilização ou a obrigatoriedade da ação penal pública não poderiam suprimir ou adiar condutas e atividades de cunho preventivo ou reparador, dado que estas últimas atendem melhor a finalidade de resguardar os recursos naturais e a qualidade ambiental.
Esse posicionamento, então, adota a teoria do Direito Penal Mínimo, pela qual o Direito Penal é reservado para conferir a pacificação social das mais graves infrações e, por isso, se vale igualmente das penas mais graves. Portanto, somente deve ser acionado na hipótese de falha ou insuficiência das demais esferas (no caso, administrativa e civil), não se justificando o socorro ao Direito Penal na hipótese em que a consecução da reparação de danos ambientais foi atingida.
Nesse sentido, frente a um termo de ajustamento de conduta cumprido, com reparação integral do dano, os defensores dessa ideia entendem que não haveria justa causa para propositura de ação penal, estando extinta a punibilidade do infrator pelo crime ambiental em tese perpetrado.
Caso a recuperação do dano se prolongue no tempo, suspender-se-ia a pretensão punitiva e o prazo prescricional até seu efetivo cumprimento, quando também seria extinta a punibilidade do agente.
Como exemplo, citam o precedente do Direito Penal Tributário, que já dispõe de expressa previsão legal sobre o assunto. Nos termos do artigo 34 da Lei nº 9.249/1995, o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade dos crimes tributários perpetrados. Caso o infrator ingresse em programas de parcelamento, a pretensão punitiva do Estado e o prazo prescricional ficam suspensos até seu pagamento integral, quando a punibilidade seria igualmente extinta, conforme estabelece o artigo 9º da Lei nº 10684/2003.
De modo semelhante, o novo Código Florestal, instituído pela Lei nº 12.651/2012, trouxe em suas disposições transitórias (art. 60) a suspensão e posterior extinção da punibilidade de 03 (três) tipos de crimes ambientais[1], no caso da assinatura e cumprimento integral de termo de compromisso para regularização de propriedade rural. Essa regularização deve ocorrer pela adesão do proprietário ou possuidor ao Programa de Regularização Ambiental (“PRA”).
A inclusão de previsão legal para afastar a punibilidade de crimes ambientais devido à reparação integral do dano, mesmo que aplicável somente para casos específicos, demonstra a razoabilidade e a abertura para a adoção de tal corrente.
Embora tal entendimento praticamente não encontre respaldo jurisprudencial, o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de forma ainda mais arrojada, já se manifestou no sentido de que a mera formalização do ajuste antes do oferecimento de denúncia já teria o condão de extinguir a punibilidade do infrator[2]. No caso de descumprimento de seus termos, bastaria sua execução, já que o termo de ajustamento de conduta tem eficácia de título executivo extrajudicial.
Além de descongestionar a justiça, evitando-se longa disputa judicial que protelaria, de maneira indelével, a solução do conflito e a consequente reparação do dano, a solução negociada seria mais eficaz, argumentam.
Concluem, portanto, que os princípios basilares do Direito Ambiental – prevenção e reparação do dano da forma mais célere e efetiva possível – podem ser alcançados sem intervenção do Direito Penal, que permaneceria como a ultima ratio em matéria de responsabilização
Constatada a falência do sistema punitivo tradicional, parece-nos que o termo de ajustamento de conduta é o maior aliado da legislação ambiental, cujo espírito, repita-se, é conciliar o desenvolvimento econômico e social com a proteção ambiental.
Considerando que a celeridade é indispensável para a efetividade da tutela do meio ambiente e recondução ao status quo após a ocorrência do dano, entendemos que a solução consensual deve ser estimulada e, uma vez cumprido integralmente o ajustamento, seja ele preventivo ou reparador, a instauração da ação penal, em regra, deve ser afastada. A possibilidade de afastamento da seara criminal seria, justamente, o maior incentivo para o ato reparador do meio ambiente. Afinal, uma vez que a reparação efetiva do dano é a maior representação da conscientização individual da proteção do meio ambiente, não há razão (teórica ou prática) para o acionamento da esfera punitiva e educadora.
[1] De acordo com o novo Código Florestal, os crimes sujeitos à extinção da punibilidade são: (i) artigo 38 da Lei nº 9.605/1998 (destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção); (ii) artigo 39 da Lei nº 9.605/1998 (cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente); e (iii) artigo 48 da Lei nº 9.605/1998 (impedir ou dificultar regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação).
[2] TJ-MG, Apelação Criminal 0350629-07.2003.8.13.0342, Relator Des. Paulo Cézar Dias, 3ª Câmara Criminal, julgado em 19/05/2009. Outros precedentes similares: TJ-MG, Mandado de Segurança 5005211-80.2009.8.13.0000, Relator Des. Antônio Carlos Cruvinel, 3º Câmara Criminal, julgado em 29/09/2009; e TJ-MG, Apelação Criminal 0628629-56.2006.8.13.0625, Relator Des. Paulo Cézar Dias, 3ª Câmara Criminal, julgado em 22/03/2011.