Juristas explicam o que acontece após a redução da pena de Lula
Quinta turma votou recurso da defesa do ex-presidente, que tentava reduzir ou anular pena no caso do triplex em Guarujá (SP). Pena foi reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias.
Por G1
23/04/2019
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) votou nesta terça-feira (23) por manter a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex em Guarujá (SP), mas sugeriu reduzir a pena de prisão –de 12 anos e um mês para 8 anos, 10 meses e 20 dias. O tribunal julgou recurso da defesa do ex-presidente, que tentava reduzir ou anular a pena.
Lula havia sido condenado em 12 de julho de 2017 a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do triplex. A sentença, em primeira instância, foi dada pelo então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, que condenou o ex-presidente por corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.
Em janeiro do ano passado, a condenação foi confirmada pela Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), tribunal de segunda instância, que aumentou a pena para 12 anos e um mês de prisão. Lula, então, foi preso em São Paulo em abril do ano passado e levado a Curitiba.
Além do caso do triplex, o ex-presidente Lula é réu em outras seis ações penais.
O que diz a lei?
- um preso tem direito a reivindicar progressão para o regime semiaberto depois de cumprir um sexto da pena, desde que tenha bom comportamento. A pena imposta a Lula pelo TRF-4, portanto, exigiria pelo menos dois anos de prisão em regime fechado;
Como será na prática?
- Com a decisão da Quinta Turma do STJ, Lula terá que cumprir 17 meses para reivindicar a transferência para o semiaberto, regime pelo qual é possível deixar a cadeia durante o dia para trabalhar. Como Lula já cumpriu cerca de 13 meses, faltariam quatro meses. A leitura na prisão, por exemplo, pode contribuir para reduzir ainda mais os dias de punição;
O que pode influenciar o cenário?
- O que pode mudar esse cenário é outro processo a que Lula responde: ele foi condenado pela juíza Gabriela Hardt, então na 13ª Vara Federal de Curitiba, a 12 anos e 11 meses, também por corrupção e lavagem de dinheiro, relativo ao processo da Lava Jato que apura se ele recebeu propina por meio da reforma de um sítio em Atibaia (SP). O processo ainda não foi encaminhado para a segunda instância, no TRF-4. Se a condenação for mantida na segunda instância, Lula pode ser mantido em regime fechado –o tempo a mais seria determinado em eventual sentença do TRF-4.
O G1 ouviu juristas para comentar a decisão do STF:
Veja, abaixo, o que dizem juristas:
Davi Tangerino, professor de direito penal da FGV/SP: “Considerando 1/6 da pena cumprida, em algum momento de setembro poderia haver a progressão para o regime semiaberto. Nós já tivemos experiências de semiaberto, como com o José Dirceu, autorizado a trabalhar. Teríamos algo semelhante, observados os precedentes que já temos. Ele pode trabalhar durante o dia e volta para onde estiver preso à noite. Livre, ele não estaria. Poderia se pensar também em pedido de regime domiciliar, pois o ex-presidente tem mais de 70 anos”.
Guilherme Madeira Dezem, professor de processo penal do Mackenzie: “Se o tribunal [TRF-4] mantiver a condenação [de primeira instância, do processo do sítio de Atibaia], essa pena vai ser somada à pena que hoje foi diminuída, e aí vai alterar o prazo de progressão de regime. Se for somada a pena desse processo de hoje com a pena anterior, daria algo em torno de 20 anos, por exemplo. E aí o 1/6 da pena seria sobre 20 anos, e não daria em setembro. O que pode acontecer, se ele [Lula] tiver o lapso temporal para progredir de regime –e ainda não for julgada a apelação–, ele vai progredir de regime, mas assim que sair a nova condenação, unifica a pena, e pode ser que ele tenha que voltar para o presídio”.
Fernando Castelo Branco, criminalista e coordenador do curso de pós-graduação de direito penal da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo e professor de processo penal da PUC-SP: “Em breve, o ex-presidente terá cumprido 1/6 de sua pena, até o final de setembro, e, caso pague a multa que também foi imposta, poderá requerer a progressão da pena. A grande questão é que ele já vive uma situação esdrúxula, porque está detido em um local que não é um espaço adequado para um preso definitivo. Caso não seja encontrado um local adequado, ele poderá ir para a prisão domiciliar, porque o réu não pode ser penalizado por um problema que não foi causado por ele”.
Daniel Bialski, criminalista, sócio do Bialski Advogados (defende o empresário Paulo Vieira de Souza e o ex-ministro e presidente do PR, Antônio Carlos Rodrigues): “Na prática, só diminuiu o tempo que teria que cumprir de pena para progredir para o semiaberto. (…) Ele [Lula] teria direito a progressão de regime quando cumprisse 1/6 da pena. Ele pode sair para trabalhar, para exercer atividades e teria de retornar para dormir no presídio. Em tese, é isso.
Só faço uma ressalva que isso não é automático. Quando der 1/6 da pena, a defesa pode fazer um requerimento, o MP vai opinar, e esse pedido de progressão, para ser deferido, precisa necessariamente ter uma análise dos requisitos subjetivos, como bom comportamento, se ele cometeu alguma falta, se demonstrou algo que vai voltar a delinquir.
O MP pode pedir exame criminológico, que é estudo social psicológico e psiquiátrico. Se o MP pedir isso, pode demorar um pouco mais. Mas nem sempre se pede isso. Geralmente, se pede em acusações de crimes violentos. Neste caso, acho que não vai ser pedido. O que vai ser analisada é a conduta carcerária, e a direção do presídio vai mandar boletim informativo”.
Fernanda de Almeida Carneiro, professora da Escola de Direito do Brasil (EDB): “Pela lei de execuções penais, o Lula poderá pedir para ir para o regime semiaberto a partir de setembro, quando terá cumprido 1/6 da pena. Na prática, não vai fazer muita diferença. Qualquer ano e mês que se tira da pena é uma vitória para o Lula, mas não é nada muito expressivo. Ainda há outros casos envolvendo o Lula que serão julgados”.
João Paulo Martinelli, professor do curso de pós-graduação de direito penal da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo: “Nessa conta [redução da pena de 12 anos para 8 anos e dez meses], já entra o tempo em que Lula está preso. Ou seja, ele teria direito a pedir progressão com cerca de um ano e oito meses de prisão cumpridas. Pedindo a progressão, ele pode ir para o regime semiaberto e, caso não exista vaga, pode ir para o regime aberto. Se também neste sistema não houver vaga, ele pode ir para prisão domiciliar, o que é comum. É possível que isso aconteça com o ex-presidente, até por sua idade avançada [acima dos 70 anos], por uma questão humanitária, e já que os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro não são hediondos. O STJ e o STF consideram nessas situações que a culpa por falta de vagas é do próprio estado, não do réu; existe, portanto, a jurisprudência para que ele seja encaminhado para a prisão domiciliar”.
Márlon Reis, advogado e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa: “Trata-se de uma redução bastante importante no montante da pena, o que permite considerar uma possibilidade de retorno do ex-presidente Lula à liberdade em um prazo bem mais curto do que se previa inicialmente, com a pena majorada que estava fixada até então. Por conta da progressão penal, uma parte da pena é cumprida em regime totalmente fechado e com a redução da pena a progressão para outras modalidades que implicam em aumento do retorno à liberdade ficam abreviadas.
Outra questão é que isso pode ter algum impacto – não posso afirmar ainda se terá – nos prazos prescricionais, porque a prescrição tem sua extensão definida pelo tamanho da pena. Então, esse é outro aspecto que ter de ser analisado concretamente depois”.
Francisco de Paula Bernardes Jr, sócio do Guillon & Bernardes Jr. Advogados; professor de Direito Penal na FAAP: “A idade não seria uma questão tão fundamental para determinar a transferência de Lula para o regime semiaberto, muito mais importante é quanto tempo ele já ficou preso, porque isso determina a porcentagem do 1/6 que ele terá cumprido ou não”.
Wálter Maierovitch, jurista, comentarista da CBN: “O que se tem é que houve uma redução substancial da pena do Lula, mas ainda assim superior a oito anos, quer dizer, pena ensejadora de regime fechado. E a pena foi fixada, foi reduzida, mas não se alcançou a prescrição”.