Proibição de deixar o País pode ser ordenada no curso do processo
ANÁLISE
Sinalização de que Lula pretende desrespeitar a decisão dos desembargadores federais do TRF-4, mais do que a condenação ou a viagem em si, revelam o perigo concreto de fuga que justifica a decisão cautelar
Fernanda de Almeida Carneiro*, O Estado de S.Paulo
27 Janeiro 2018 | 05h00
Ao condenar Lula pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o triplex no Guarujá, já era de conhecimento dos desembargadores do TR-4 que o ex-presidente tinha viagem marcada para sexta-feira, 26, quando iria para Adis Abeba, na Etiópia, participar de encontro da Organização das Nações Unidas (ONU). Ainda que se especulasse acerca da possibilidade de Lula pedir asilo político naquele país, não houve qualquer proibição para que deixasse o Brasil.
Todavia, um dia antes da viagem, o juiz Ricardo Leite, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, nos autos do processo que apura suposto tráfico de influência de Lula na compra, pela Força Aérea Brasileira, de caças suecos, determinou a apreensão do passaporte do ex-presidente.
Embora tenha entregado o passaporte, a defesa de Lula, em nota, afirmou estar estarrecida com a decisão, alegando que o direito de ir e vir, assegurado pela Constituição Federal, somente poderia ser restringido na hipótese de decisão transitada em julgado.
Diferentemente do alegado pela defesa do ex-presidente, a proibição de ausentar-se do País pode ser determinada no curso do processo, sendo uma das medidas cautelares alternativas à prisão, prevista no artigo 320 do nosso Código de Processo Penal. Tais medidas devem ser utilizadas se necessárias para a aplicação da lei penal, para investigação ou instrução, ou para evitar a prática de infrações penais.
Ao determinar a retenção do passaporte de Lula, o magistrado do DF, acolhendo manifestação ministerial, argumentou que com a proximidade da execução provisória da pena, no processo envolvendo o triplex, passou a existir risco concreto de fuga, o que frustraria futura e eventual aplicação de pena nos autos sob sua jurisdição. A viagem para a Etiópia seria especialmente “perigosa”, já que o país não tem acordo de extradição com o Brasil.
A princípio, condenação em outro processo e viagem anteriormente marcada, de conhecimento dos desembargadores federais que o condenaram, não seriam, por si só, argumentos suficientemente capazes de justificar a medida tomada. Todavia, em discursos proferidos após a condenação, Lula afirmou que não aceita a “mentira pela qual eles tomaram a decisão”.
Assim, a sinalização de que pretende desrespeitar a decisão dos desembargadores federais do TRF-4, mais do que a condenação ou a viagem em si, revelam o perigo concreto de fuga que justifica a decisão cautelar.
*CRIMINALISTA E PROFESSORA DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO DO IDP-SÃO PAULO