Por Sérgio Lopes Guimarães de Carvalho Bessa*

06 de novembro de 2019

Em O Estado de São Paulo

 

Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, conforme professou Rui Barbosa.

Não é razoável que uma pessoa, por mais grave que seja o crime a ela imputado, seja processada eternamente.

A Constituição Federal, não por acaso, estabelece como garantia fundamental a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII).

O instituto da prescrição decorre justamente da necessidade de impor limites temporais ao poder estatal de punir – excetuando-se a imprescritibilidade do crime de racismo e da “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, somente em razão de expressa previsão constitucional (art. 5º, XLII e XLIV).

Trata-se, portanto, de garantia do acusado “diante da inércia do Estado em sua tarefa de investigação e apuração do crime” (Guilherme de Souza Nucci, Código Penal comentado, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2018, p. 700).

Feitas essas considerações, o meio jurídico recebeu com preocupação a proposta de alteração do Código Penal sugerida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, para que seja suspenso o prazo prescricional do processo criminal “enquanto pendente de julgamento os recursos especial ou extraordinário ou os respectivos agravos em recurso especial ou extraordinário”.

A sugestão parece ser uma resposta apressada para acalmar os ânimos de setores da opinião pública no caso de o STF mudar o entendimento acerca da possibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado de condenação criminal.

Essa, no entanto, não é a melhor saída.

Inexistindo a possibilidade de prescrição enquanto houver recurso pendente no STF e no STJ, haverá verdadeiro estímulo à perpetuação dos processos, infligindo sofrimento a acusados que, pela mera sujeição a um processo penal, já experimentam efeitos sociais e psicológicos deletérios equivalentes a uma verdadeira pena, ainda que posteriormente inocentados.

É mais grave ainda a suspensão do prazo prescricional no caso de réus presos provisoriamente e réus idosos. Não haverá limite temporal, ao menos nesses casos, para a prestação jurisdicional?

Para que se permita a análise escorreita da questão é essencial, ainda, que seja desmistificada a noção de que os processos se prolongam indefinidamente por “culpa” da defesa, até que seja alcançada a prescrição.

Na imensa maioria das vezes isso não é verdade.

Os prazos para a defesa são contados em dias corridos e limitam-se a, no máximo, 15 dias (ex.: interposição de Recurso Extraordinário e Recurso Especial). O seu descumprimento, aliás, volta-se em prejuízo exclusivo do acusado, que deixará de ter o requerimento analisado.

Mecanismos à disposição da defesa – previstos em lei, ressalte-se – que poderiam dar azo para a protelação do processo estão sujeitos à prévia autorização judicial, como a expedição de carta rogatória para oitiva de testemunha no exterior, ou a realização de perícias técnicas.

Os prazos para as autoridades processarem, julgarem e executarem a pena, por outro lado, são generosos e as sanções previstas para seu descumprimento são de raríssima aplicação, sendo razoavelmente comum aguardar-se meses, ou mesmo anos, para o oferecimento de denúncia ou a prolação de sentença, de modo que não há como se falar em prescrição sem a excessiva demora de atos processuais inerentes aos agentes estatais.

Os prazos de prescrição, aliás, são extensos, sendo maiores quanto mais grave o crime em apuração. Vejamos o caso da corrupção, de maior alarido na sociedade atual. O prazo prescricional previsto em lei, para corruptos e corruptores, é, em regra, de 16 anos (art. 109, II, c.c. arts. 317 e 333, todos do Código Penal), sendo que a legislação estabelece momentos processuais em que o prazo é interrompido e se inicia novamente do zero, como o recebimento da denúncia e a publicação de sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (art. 117 do Código Penal).

A tramitação eletrônica de processos, já em curso nos Tribunais Superiores e na maior parte dos Juízos e Tribunais dos Estados, também facilita a realização de atos processuais e reduz consideravelmente o risco de prescrição.

Se a ideia por trás da mudança na lei é reduzir a chance de prescrição de processos – e consequentemente a impunidade de eventuais criminosos –, quem deve ser mais exigido e onerado é, certamente, o Poder Judiciário, e não o acusado, sempre mais vulnerável diante do poder do Estado.

Solução mais acertada seria estabelecer, em lei, prazo específico para que Desembargadores e Ministros apresentem seus votos e possam ter vista dos autos, com sanção expressa no caso de descumprimento (continuidade automática do julgamento, imposição de advertências, sanções pecuniárias no caso de reincidência, etc.).

Poder-se-ia, também, pensar na redução do número de autoridades que gozam de foro especial no STF e no STJ, a fim de que estas Cortes se concentrem em suas funções primárias ou, ainda, na criação de juízos de instrução para ações penais de competência originária dos Tribunais.

Fato é que o direito à duração razoável do processo está inserido na Constituição Federal como garantia fundamental individual. É ônus do Estado assegurá-lo.

 

*Sérgio Lopes Guimarães de Carvalho Bessa, Advogado criminal e associado de Castelo Branco Advogados Associados.