Para juristas, fala de Bolsonaro sobre Merval Pereira pode render processo
Wanderley Preite Sobrinho
Do UOL, em São Paulo
26/08/2019
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometeu “crime contra a honra” do jornalista Merval Pereira e, em tese, pode ser processado por difamação. De acordo com juristas consultados pelo UOL, Bolsonaro poderia até responder ao processo no STF (Supremo Tribunal Federal), mas provavelmente ele só seria julgado na Justiça comum depois de deixar o cargo.
No sábado (24), o presidente afirmou que Merval recebeu R$ 375 mil por uma única palestra no Senac-RJ (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio do Rio de Janeiro) em 2016. A informação é antiga e foi publicada há quase dois anos pelo site The Intercept Brasil. A reportagem, porém, afirmou que o valor correspondia a 15 palestras, ou seja, R$ 25 mil por palestra. O Senac administra recursos públicos.
“Acabei de postar aí uma matéria sobre o Merval Pereira. Palestra por R$ 375 mil, tá legal? Tá ok?” afirmou Bolsonaro antes de ameaçar a imprensa: “Se vocês não fizerem nenhuma matéria sobre isso amanhã nos jornais, eu não dou mais entrevista para vocês, tá legal? Tá combinado? Toda a imprensa, tá combinado?”
Em sua coluna de ontem no jornal O Globo, Merval, que também é comentarista da GloboNews, rebateu Bolsonaro e disse que não recebeu os R$ 375 mil, pois deu 13 palestras.
“Se o Merval se sentiu ofendido, ele tem o direito de processar Bolsonaro por difamação”, afirma o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, professor de direito penal na PUC-SP. Para ele, a declaração do presidente se enquadra no Art. 139 do Código Penal Brasileiro, no capítulo de “Crimes contra a Honra”.
O jornalista ainda não se pronunciou sobre a possibilidade de processar Bolsonaro.
Advogado constitucionalista, Marcellus Ferreira Pinto explica que só Merval pode processar Bolsonaro sobre o assunto e ele tem seis meses para fazer isso. Por conta do cargo, Merval teria que mover a ação no STF (Supremo Tribunal Federal).
Neste caso, caberia a Corte decidir se julga Bolsonaro durante seu mandato ou se acolhe a queixa-crime e congela sua tramitação. Se isso ocorresse, ele seria julgado pela Justiça comum apenas depois de deixar o cargo de presidente.
Se for um crime comum conexo com a atividade presidencial, ele pode ser processado durante o mandato. Se for comum e desconexo da atividade, o processo é suspenso
Marcellus Ferreira Pinto, advogado constitucionalista
Se a Corte entender que o crime cometido contra Merval esteve relacionado à função presidencial, ela repassa a queixa-crime para a Câmara dos Deputados. “Precisa que dois terços dos parlamentares autorizem a abertura de um processo no Supremo”, diz Ferreira Pinto.
Bolsonaro, então, seria afastado por 180 dias. “É o período que o STF tem para julgá-lo.”
Se congelada e retomada depois do mandato, a ação seria julgada pela Justiça comum, uma vez que Bolsonaro já não teria foro privilegiado. Para Castelo Branco, o parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição garante a imunidade a Bolsonaro.
Diz a lei: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
“Ainda que haja um crime praticado pelo presidente, no caso de difamação, ele é estranho ao exercício da presidência, não é funcional”, acredita o professor da PUC, segundo quem a Constituição busca “proteger a instituição presidencial”.
“Serve para tutelar a Presidência contra ações descabidas movidas por pessoas que se sintam ofendidas e atrapalhem uma função que é vital”, diz Castelo Branco. “A Constituição preserva a instituição presidência, não o político, já que ele seria julgado depois do mandato.”
De acordo com o criminalista, Bolsonaro dificilmente cumprirá pena na cadeia caso seja condenado pela Justiça comum. “O Código Penal estabelece que a pena de até quatro anos seja cumprida em regime aberto. Até oito [anos], é em semiaberto e, acima disso, é em regime fechado.”
Como o crime contra a honra prevê pena máxima de um ano e multa, Bolsonaro ficaria em liberdade mesmo condenado. “Além de tudo, ele seria réu primário”, diz o professor.