Artigo publicado no jornal O Globo, de 03.10.2010, Opinião, p. 7

Autores: Fernando Castelo Branco e Fernanda de Almeida Carneiro

Votar é também direito de quem está preso. A Constituição, no Artigo 15, III, estabelece que a condenação criminal definitiva suspende, automaticamente, os direitos políticos de votar e de ser votado.

No entanto, o preso provisório – aquele que está preso cautelarmente, em decorrência da decretação de prisão temporária ou preventiva, de prisão em flagrante, de sentença de pronúncia, ou de sentença penal recorrível –, bem como adolescentes entre 16 e 21 anos, submetidos a medida socioeducativa de internação, mantêm seus direitos políticos.

Apesar de legitimamente detentor desses direitos, o preso provisório vem sendo alijado do processo eleitoral.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, em 2009 a população carcerária brasileira era composta por 473.626 presos, número que, além de ser duas vezes superior àquele registrado em 2000, coloca o Brasil em quarto lugar na lista dos países com o maior número de presos em todo o mundo – atrás apenas de EUA, China e Rússia.

Nem todos esses detentos, entretanto, encontram-se condenados definitivamente. Desse quase meio milhão de presos, aproximadamente 208.000 estavam detidos provisoriamente em 2009. Ou seja, em torno de 44% da população carcerária nacional teriam direito ao voto.

Na prática, contudo, a esmagadora maioria desses presos acaba impedida de exercer o sufrágio.

Além do inadmissível desrespeito ao direito fundamental do preso, este fato acarreta consequências relevantes do ponto de vista do sistema prisional: ao não integrar o cobiçado eleitorado, o preso acaba ignorado pela classe política, antes e após as eleições.

Na tentativa de sanar tais incongruências, desde 1999 o Tribunal Superior Eleitoral vem editando resoluções sobre a matéria. Nas eleições de 2000, pioneiramente, os estados de Pará e Sergipe proporcionaram a votação de presos provisórios. Nas eleições de 2008, onze estados já haviam assegurado esse direito a seus detentos provisórios.

De acordo com o TSE, nas eleições de hoje estão sendo instaladas urnas em 424 estabelecimentos prisionais e unidades de internação, em 25 estados e no Distrito Federal, possibilitando o exercício do voto de 20.099 detentos-eleitores.
Minas Gerais é o estado com maior número de votantes (4.981), seguido por São Paulo (4.480) e Rio Grande do Sul (1.802). O Rio de Janeiro, por seu turno, captará 478 votos.

Ainda que positivas, as medidas implementadas pela Justiça Eleitoral só alcançam, até o momento, parcela ínfima dos presos provisórios, equivalente a 10% do número estimado em 2009.

Evidentemente, existem vários aspectos que dificultam a votação dos presos provisórios: garantia da integridade física dos mesários; o acesso dos presos à propaganda eleitoral; a possível manipulação da população carcerária para votar em candidatos indicados pelo crime organizado; a alta rotatividade dos presos provisórios – além dos altos custos arcados pelo Estado.

Essas dificuldades, que acabam destituindo irregularmente o preso de seu direito ao voto, vêm respaldadas pelo atual descaso da classe política com a realidade de nossas cadeias.

Isso porque é eleitoralmente mais rentável a formulação de propostas de campanha e programas de governo voltados para a construção e modernização de hospitais, escolas e rodovias, em vez de presídios.

O gasto de dinheiro público com presos ou estabelecimentos prisionais enfrenta rejeição de grande parte da população, muito mais sensível aos problemas relacionados com a saúde, educação e transporte do que com a falência do sistema carcerário. Aliás, tal problema não é visto sequer como uma questão de segurança pública.

O direito ao voto, por si só, não garantirá a melhoria da condição prisional. Contudo, ao assumir a condição de eleitor e ver-se incluído na pauta das campanhas eleitorais, o preso resgata parte importante do exercício de sua cidadania, além de, concretamente, criar-se a possibilidade de reformulação do combalido sistema prisional brasileiro.

Fernando Castelo Branco e Fernanda de Almeida Carneiro são Advogados criminais.