Não é ficção constatar que o excessivo número de prisões poderia ser reparado por legislação penal mais adequada à situação real

22.abr.2018 – Folha de São Paulo

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Tentativa de fuga em massa de prisão considerada vulnerável deixa 22 mortos no Pará. Esta é a notícia.

Os tempos passam, a poeira baixa, e tudo volta ao seu lugar, envolto pelo manto do esquecimento e desconsideração oficial pelos massacres nas prisões, que se alastram pelo Brasil afora.

Os motins e as contendas se sucedem, dezenas de presos morrem, as facções criminosas, cada vez mais poderosas, pontificam, e a vida continua, como se nada houvesse acontecido. Ou pior, como se esse fosse o castigo merecido por quem violou a lei penal.

Recentemente, como é sabido, ocorreu grave confronto entre presos, confinados na cadeia pública de Itapajé, no interior do Ceará, resultando na morte de dez detentos e vários feridos. Agora foi a vez do Pará.

É importante notar que, como ocorreu há pouco tempo em Manaus, quando 67 presos morreram, ou em Goiânia, quando sucumbiram nove detentos, o presídio cearense, como os de lá, estava superlotado.

Em Manaus, apurou-se, após o rescaldo da tragédia, que a população da prisão representava o triplo de seu potencial de acomodação humana. O mesmo ocorria, agora, no Pará. Os presos estavam amontoados, sem nenhum critério metódico de triagem. Misturavam-se, num mesmo espaço, membros das mais temíveis facções criminosas rivais e membros do PCC (Primeiro Comando da Capital).

O governador do Amazonas, em uma manifestação singularmente desumana, procurando amainar a repercussão da calamidade ocorrida sob os seus olhos, saiu-se com a sandice de que “não tinha santo entre os mortos”.

Olvidou-se, lamentavelmente, o chefe do governo amazonense de que o Estado é responsável pela segurança e bem-estar do preso, como determinam a Constituição Federal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções penais e os tratados internacionais assinados pelo Brasil —o direito, dentre muitos outros, de ter uma ala arejada e higiênica. Isso mesmo: uma ala arejada e higiênica.

Só há pouco, por decisão da Segunda Turma do STF, as mulheres sem condenação, gestantes ou com filhos de até 12 anos ou deficientes passaram a poder aguardar o julgamento em liberdade, para evitar o efeito deletério dos presídios.

Diante de cenas como essas, a interpretação subjetiva dos direitos do preso fica sempre muito distante da realidade.

E não é ficção constatar que o excessivo número de prisões poderia ser reparado por legislação penal mais adequada à situação real, excluindo do confinamento prisional réus primários e que não tenham cometido o crime com violência ou grave ameaça, além de aplicar, com mais moderação, prisões provisórias ou de curta duração.

Em nosso país, com a vigência do “regime fechado” (execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média); do “regime semiaberto” (execução da pena em colônia agrícola ou industrial) e do “regime aberto” (execução da pena em casas de albergados), a situação é gravíssima.

Não temos presídios adequados, não temos colônias agrícolas ou industriais, não temos casas de albergados, não temos estrutura administrativa. Em poucas palavras: não temos nada, só temos condenados. Condenados de todas as naturezas, presos, confinados e amontoados em verdadeiros depósitos de lixo humano, manobrados por facções criminosas, das quais muitas vezes depende sua sobrevivência.

O resultado dramático dessa situação caótica aí está, à espera de que o Estado se lembre, pelo menos, de que esses presos, mais dia menos dia, voltarão a conviver conosco.

 

Tales Castelo Branco

Advogado criminalista, é autor, dentre outros, do livro “Da Prisão em Flagrante” (ed. Saraiva)