O Exercício da Advocacia
Top Lawyers 2015-2016, Inbook Editara e Portal Migalhas, p. 131-3.
Tales Castelo Branco
O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA
A nossa profissão – como disse Maurice Garçon – “…é, acima de tudo, dedicação e desinteresse. Por certo os advogados vivem da profissão, mas, acima do seu interesse pessoal, põem a defesa, a proteção e o auxílio aos clientes” (O Advogado e a Moral).
As obrigações do advogado para com o cliente, o adversário, e, ainda, o dever de assistência jurídica, a necessidade moral de urbanidade e os procedimentos disciplinares estão regulados pelo Estatuto e Código de Ética da OAB. Referência importante foi dedicada à obrigação de defender o Estado Democrático de Direito, a cidadania, a moralidade pública, a justiça e a paz social; esmerando-se em indicações de condutas de natureza eminentemente política, sugere que a atividade intelectual do advogado não deve abster-se de manifesta atuação nessa área.
O processo histórico de conquista do homem contra o Estado e as classes dominantes contou sempre com a participação do advogado. O desinteresse pela política fortalece o poderio dos que mandam e emudece cada vez mais a voz dos que se acostumaram apenas a obedecer.
O advogado deve denunciar pressões, protestar, escrever, falar, representar, requerer, não apenas fazendo respeitar seus direitos, mas exercendo amplamente a cidadania, cujo sentido e direção espiritual têm conotação essencialmente social. Nessa luta de todos, cabe à cidadania fazer funcionar o Estado, porque é ela que define sua qualidade.
A Carta Magna, realçando a importância da profissão, define o advogado como figura indispensável à administração da justiça, prestando, no seu ministério privado, serviço público e exercendo função social.
A “atividade é concebida como um conjunto de atos teleologicamente orientados, em um quadro de continuidade, permanência e integração. Ato e atividade distinguem-se e interpenetram-se na relação de conteúdo e continente” (Paulo Luiz Netto Lôbo, Comentários ao Estatuto da Advocacia).
A moral, como norma de conduta, norteará o advogado para que ele não descumpra os deveres dos bons costumes; a ética (reflexão sobre a moral) será a teoria diária do seu comportamento em sociedade.
Sem moralismos sectários ou fanatismos religiosos, poderemos considerar que a moral, como norma de conduta, e a ética, como teoria diária do comportamento, são mais obrigações do que virtudes: obrigação emanante do caráter; dever intelectual resultante da reflexão. Por isso, o advogado deve proceder de forma que se torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. Ser digno da bonita frase de Henrion de Pansey: “Livre das peias que escravizam os homens, muito orgulhoso para aceitar protetores e muito modesto para ter protegidos, sem subordinados nem superiores, o advogado seria o homem na plenitude da dignidade original, se tal homem pudesse existir neste mundo” (in Maurice Garçon, O advogado e a moral).
No exercício diário de suas tarefas, a paciência é sempre boa conselheira. Paciência principalmente consigo mesmo, sabendo consultar-se, em silêncio, e, se for preciso, mudar de opinião. Incansável paciência há de ser dedicada ao ouvir o cliente, porque “A maior parte das pessoas que ali entram são pessoas de vivíssimas preocupações, muitas vezes graves, que não lhes consentem o domínio da sua atitude! É a vida palpitante que elas nos trazem!” (Henri Robert, O Advogado).
O domínio da Ciência Jurídica representa condição essencial para o exercício da profissão. Ninguém, em sã consciência, admitiria ser correto exercer uma atividade profissional sem conhecer plenamente seus fundamentos científicos. A insuficiência profissional não afeta apenas a honorabilidade do advogado incapaz; vai mais longe: além de causar irremediáveis danos ao cliente, atinge o bom nome de toda a classe. Estudar e conhecer a movimentação evolutiva do Direito é obrigação de todo advogado. Tratando do assunto, Couture anotou, com sensibilidade exemplar, em seus famosos Mandamentos do Advogado, esse dever intransferível: “Estuda! O Direito se transforma constantemente. Se não segues seus passos, serás cada dia um pouco menos advogado” (Os Mandamentos do Advogado).
Os discursos e arrazoados forenses têm valor exatamente porque reúnem três atividades do espírito: estudo, conhecimento e trabalho. Sabemos bem que “A vida judiciária é cheia de incertezas e tropeços. Ninguém logra atravessá-la em placidez, sobre caminhos de rosas. (…) Árdua tarefa de incessante labor, a que [o advogado] dá a plenitude de suas forças – físicas, intelectuais e morais –, sobranceiro às depressões do terreno onde lhe cabe, não raro, ferir a peleja da causa” (Carvalho Neto, Advogados). Ao comunicar-se com os juízes, promotores e a parte adversa, quer o faça oralmente quer por escrito, há de proceder sempre de forma polida e educada. Poderá ser enérgico, veemente, firme, se necessário, mas, jamais, faltar com os deveres da lhaneza do trato. Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. No exercício da profissão o advogado deve manter independência em qualquer circunstância, sem nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade. Predomina, finalmente, como força ética da advocacia, a liberdade. Ángel Ossorio y Gallardo foi enfático ao tratar do assunto: “As profissões chamadas liberais designam-se assim não só por acepção gramatical, mas também por acepção lógica, porque se exercem com liberdade e na liberdade têm o seu mais importante atributo” (A Alma da Toga). Foi por isso que, com palavras vibrantes, disse Alfredo Pujol (in Carvalho Neto, Advogados): “A primeira condição, no ministério do advogado, deve ser a liberdade. O advogado tem de ser inteiramente livre, para poder ser completamente escravo do dever profissional!”