Artigo publicado na Revista Letrado, do Instituto dos Advogados de São Paulo, edição 101, de julho/dezembro de 2012

Autores: Carlos Roberto Fornes Mateucci, Fernando Castelo Branco e Fernanda de Almeida Carneiro

Após longo período de tramitação legislativa, foi promulgada a Lei 12.683/12, que trouxe significativas alterações à Lei 9.613/98.

Dentre as novidades, chama atenção o rol de pessoas e entidades que estariam obrigadas a auxiliar as autoridades públicas na identificação de atos que aparentemente constituam prática do crime de lavagem de dinheiro (art. 9º).

Muito embora não haja menção expressa aos advogados, estão listados profissionais que prestem serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento e assistência em operações imobiliárias, societárias, financeiras, contratuais, dentre outros, atividades que, geralmente, contam com a atuação de advogados (art. 9º, XIV, da Lei 12.683/12).

Surgiu, então, o questionamento se os advogados estariam inseridos nesse rol, em razão do sigilo inerente à profissão, resguardado pela Constituição Federal (art. 133), bem como pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7º, XIX, da Lei 8.906/94).

Buscando responder à questão, o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Júnior, formulou consulta à Comissão Nacional de Estudos Constitucionais daquela entidade, solicitando urgente manifestação quanto à constitucionalidade da Lei 12.683/12, em especial no tocante à nova redação dada ao inciso XIV e alíneas do artigo 9º da Lei 9.613/98.

Isso porque, “há que se interpretar a lei com as ressalvas do sigilo da atividade privativa de advogado, nos termos da Lei Federal n. 8.906/1994 e da Constituição Federal, onde se resguardam a inviolabilidade conferida ao exercício profissional da advocacia e, ademais, a ampla defesa do jurisdicionado”.

Paralelamente, o Presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo, Marcos da Costa, formulou consulta ao mesmo órgão, solicitando “seja esclarecido se os advogados e as sociedades advocatícias estão inseridos na relação de pessoas sujeitas ao mecanismo de controle”.

Em parecer apresentado à Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, o constitucionalista Marcio Kayatt, após fundamentada análise dos artigos 133 da Constituição Federal, 154 do Código Penal, 207 do Código de Processo Penal, bem como artigo 7º, inciso XIX do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), concluiu que “os profissionais da advocacia não se encontram sujeitos aos mecanismos de controle da lavagem de capitais a que aludem os artigos 9, 10 e 11 da Lei 12.683/12”.

Adotando o judicioso parecer proferido, bem como as ponderações elaboradas pelo Conselheiro Federal Guilherme Batochio, no processo 2007.19.01978-01, a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, por sua Conselheira Federal Daniela Teixeira, concluiu que a nova Lei deve ser interpretada, como todas as demais, de forma sistêmica, prestigiando o conjunto normativo brasileiro, e, portanto, não se aplica aos advogados nas relações profissionais com seus clientes, as quais estão protegidas pela garantia do sigilo profissional.

Valioso lembrar, outrossim, do parecer exarado pela Vice-Procuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, e aprovado pelo Procurador-Geral Roberto Monteiro Gurgel Santos, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL contra a Lei 12.683/12 .

Apesar de opinar pelo indeferimento da liminar, por entender que o direito ao sigilo “como qualquer outro direito fundamental, não é absoluto, pois deve conviver com outros interesses constitucionalmente protegidos”, a Vice-Procuradora-Geral da República ressalta que a lei antilavagem “não alcança a advocacia vinculada à administração da justiça, porque, do contrário, se estaria atingindo o núcleo essencial dos princípios do contraditório e da ampla defesa”. A desobrigação de comunicação também se estenderia ao “advogado no âmbito do processo administrativo, das atividades de consulta preventivas de litígio e da arbitragem”.

Em recente encontro celebrado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA para discussão da nova lei de lavagem de dinheiro, que contou com a importante participação da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP e do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, representados por seus presidentes Arystóbulo de Oliveira Freitas e Ivete Senise Ferreira, respectivamente, firmou-se uníssono posicionamento dessas entidades, frontalmente contrário à aplicabilidade da obrigação de comunicação aos advogados, convalidando a conclusão da Ordem dos Advogados do Brasil.

Isso porque o ordenamento jurídico, interpretado de forma sistêmica e calcado no princípio da especialidade – segundo o qual norma específica derroga a geral – não permite solução outra senão o reconhecimento da extensão do sigilo profissional a todos os dados e informações obtidos mediante a prática de atividade privativamente reservada à advocacia: sejam eles ligados à postulação ao Poder Judiciário ou restrinjam-se a consultas ou assessoramento jurídicos.

Entendemos, portanto, não ser cabível a aplicação das regras contidas na Lei 12.683/2012 aos advogados e sociedades de advogados que atuem dentro dos limites éticos e normativos de sua profissão – ainda que prestem os serviços listados no artigo 9º, XIV, da referida Lei.

Carlos Roberto Fornes Mateucci, Presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA.

Fernando Castelo Branco, Diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA e Coordenador de seu Comitê de Direito Penal.

Fernanda de Almeida Carneiro, Membro do Comitê de Direito Penal do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA.