André Shalders e Felipe Souza

Da BBC Brasil em São Paulo e Brasília

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04/04/2018

“É por isso que o habeas corpus é chamado de ‘remédio heroico’. O é, porque voltado a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), há 14 dias, no começo de um de seus votos na sessão sobre o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mais tarde, por volta das 19h, Marco Aurélio invocou o próprio direito de ir e vir: sacou do bolso uma passagem aérea para o Rio de Janeiro, onde tinha um compromisso marcado, ao defender que o tribunal adiasse o julgamento do caso até esta quarta-feira.

Naquele dia, as posições de Marco Aurélio prevaleceram três vezes: na primeira rodada de votações, os ministros decidiram que iriam, sim, julgar o habeas corpus (no jargão jurídico, o tribunal decidiu “conhecer” o HC); decidiram, depois, adiar o julgamento para hoje; e por fim, a maioria concordou em dar um “salvo-conduto” para que o petista não fosse preso até que o julgamento fosse concluído, o que deve acontecer agora.

O julgamento do habeas corpus desta quarta-feira diz respeito ao processo do “tríplex do Guarujá”: segundo os investigadores, Lula recebeu propina da empreiteira OAS por meio de um apartamento tríplex no balneário do Guarujá (SP), em troca de vantagens para a empresa em contratos com a Petrobras.

Esta foi a primeira condenação de Lula no escândalo do “Petrolão”: em julho passado, o juiz federal Sérgio Moro condenou o petista a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em janeiro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou a sentença, e aumentou a pena para 12 anos e 1 mês.

O julgamento de Lula mobilizou a cena política brasileira e grupos contrários e favoráveis à prisão do líder do PT. A Secretaria de Segurança do Distrito Federal decidiu dividir a Esplanada dos Ministérios ao meio, com um alambrado de metal, e cerca de 20 mil pessoas são esperadas nas manifestações em Brasília.

Parte da cúpula do PT estará reunida em Brasília para acompanhar o julgamento, e o próprio Lula assistirá à sessão do STF no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP).

No mundo jurídico, integrantes do Ministério Público e juízes reuniram mais de 4 mil assinaturas contra o habeas corpus de Lula; enquanto isso, cerca de 3,6 mil advogados e defensores públicos assinaram uma carta ao STF defendendo o pedido do petista.

Mas qual serão as consequências do julgamento de Lula para outros políticos investigados pela Lava Jato? Se perder no STF, o petista pode ser preso imediatamente? E se ganhar, poderá concorrer às eleições presidenciais de outubro?

O que o Supremo vai julgar?

O pedido de habeas corpus de Lula chegou ao STF no dia 2 de fevereiro deste ano. Seus advogados protestam contra uma decisão anterior do vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins. Em janeiro, Martins negou um pedido similar de habeas corpus contra a prisão de Lula.

Nas 68 páginas do pedido, a defesa de Lula argumenta que a prisão de Lula após a condenação pelo TRF-4 contraria o direito constitucional de ir e vir do ex-presidente – a Constituição e o Código Penal determinam que a prisão só poderá ocorrer depois de superadas todas as instâncias da Justiça.

A defesa de Lula diz ainda que o entendimento atual do STF (de 2016) foi firmado por uma maioria apertada – 6 votos contra 5 – e que o tribunal determinou que a prisão pode ocorrer após a condenação em segunda instância, mas que não é obrigatório que isso aconteça.

Os advogados de Lula pedem que ele não seja preso até que estejam esgotados todos os recursos possíveis, em todas as instâncias da Justiça.

Se perder no STF, quando Lula poderá ser preso?

A defesa do ex-presidente Lula tem até as 23h59 da próxima terça-feira (dia 10 de abril) para entrar com os chamados “embargos dos embargos” no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre. Os “embargos dos embargos” são uma espécie de apelação em relação ao último recurso de Lula, rejeitado pelos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 no fim de março.

A praxe dos desembargadores têm sido a de rejeitar este tipo de recurso. Lula só pode ser preso depois que estes “embargos dos embargos” forem decididos pelo TRF-4, segundo a assessoria de imprensa do tribunal.

A defesa do petista tem até 10 de abril para apresentar os “embargos dos embargos”, o que torna improvável a prisão do petista antes desta data.

Depois que os “embargos dos embargos” forem julgados no TRF-4, cabe ao tribunal de Porto Alegre enviar um ofício ao juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, dizendo que a tramitação naquele tribunal se encerrou. Moro pode então assinar um mandado de prisão contra Lula. A praxe do juiz de Curitiba tem sido a de determinar inclusive em qual local o preso começará a cumprir pena.

Se vencer hoje, Lula poderá ser candidato?

Uma coisa não tem relação com a outra: o habeas corpus diz respeito à possível prisão de Lula, e não tem relação com sua situação eleitoral.

A candidatura ou não do petista depende de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que tem até o dia 17 de setembro para julgar todos os pedidos de candidaturas presidenciais. Desde a condenação pelo TRF-4, porém, o petista se encaixa em uma das hipóteses de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa: a que proíbe condenados pela segunda instância da Justiça de concorrer a cargos públicos.

Segundo o advogado eleitoral e ex-ministro do TSE Henrique Neves, Lula ou qualquer outro condenado em segunda instância poderia, em tese, recorrer na Justiça para tentar garantir o direito de disputar às eleições. O petista poderia pedir ao STJ ou ao STF uma decisão provisória (liminar) que o permitisse continuar na disputa eleitoral, diz Neves.

Uma eventual decisão favorável nesta quarta, porém, não significa necessariamente que Lula teria sucesso neste novo pedido.

“Qualquer pessoa condenada pela Justiça pode recorrer e pedir que, antes mesmo desse novo recurso ser julgado pelas instâncias superiores, sejam suspensos liminarmente os efeitos da condenação anterior, para que ele possa concorrer (às eleições). Isso (a candidatura) poderá ser discutido no STJ ou no STF em uma eventual futura ação”, diz ele.

Por que a ministra Rosa Weber está no foco das atenções?

Antes mesmo da sessão do dia 21 de março, quando o STF começou a analisar o habeas corpus de Lula, os ministros vinham dando “pistas” sobre o que pensam a respeito da prisão após a segunda instância.

Naquela primeira sessão sobre o HC de Lula, ficou visível a existência de dois grupos de ministros: Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e a presidente do STF, Cármen Lúcia, votaram contra o “salvo-conduto” para o petista; os demais foram favoráveis.

Dos seis ministros restantes do STF, cinco têm dito em público ou mesmo decidido de forma individual contra a prisão após a segunda instância. São eles: Gilmar Mendes, Celso de Mello, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. No dia 21 de março, os cinco foram favoráveis em todos os momentos à defesa de Lula.

Em 2016, Rosa Weber foi contra a mudança no entendimento do Supremo (ela defendeu que o réu só vá para a cadeia depois de condenado em todas as instâncias da Justiça).

Depois que o tribunal passou a aceitar a prisão após a segunda instância, porém, ela começou a votar desta forma nos casos que chegaram à Primeira Turma do STF, da qual faz parte. Além disso, Weber é mais reservada que outros ministros – raramente concede entrevistas à imprensa. Em resumo, a posição dela nesta quarta-feira é uma incógnita.

Qual o efeito do julgamento de hoje sobre outros casos da Lava Jato?

Formalmente, o STF está julgando apenas o pedido de habeas corpus do petista, de forma individual. Mas, como mostra a mobilização de advogados, defensores públicos, juízes e integrantes do Ministério Público, o julgamento de hoje está sendo visto como uma espécie de “prévia” da decisão do Supremo sobre a prisão após a segunda instância.

Segundo a advogada criminalista Fernanda de Almeida Carneiro, o resultado do julgamento de hoje “certamente será utilizado como fundamento para outros habeas corpus no mesmo sentido”.

Carneiro, que é professora do Instituto de Direito Público (IDP), diz ainda que a o julgamento desta quarta-feira servirá de “termômetro” para o posicionamento dos ministros no julgamento de duas ações judiciais que tratam especificamente da prisão após a segunda instância, e que podem mudar formalmente a posição do STF neste tema.

No jargão jurídico, as duas ações são chamadas de “Ações Declaratórias de Constitucionalidade”, ou ADCs. As duas são relatadas pelo ministro Marco Aurélio, e não têm data ainda para serem julgados pelo plenário do STF.

Pode haver confronto entre manifestantes pró e anti-Lula em Brasília?

Como já havia feito em outras ocasiões, a Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal montou um esquema para evitar confrontos entre simpatizantes e manifestantes contrários a Lula. A capital federal virou palco de um novo embate entre militantes graças ao julgamento de hoje.

Nesta quarta, todas as pessoas que entrarem na Esplanada dos Ministérios – local dos protestos – serão revistadas. Até mesmo o acesso com balões ou bonecos infláveis será proibido. Por questões de estratégia e segurança, o governo não informou quantos policiais farão a segurança do local.

O secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Brasília, Rodrigo Rodrigues, disse à BBC Brasil que cerca de 10 mil pessoas de movimentos sociais, como o MST, MTST e a Marcha Mundial das Mulheres, devem viajar para a capital federal para apoiar Lula nesta quarta.

O secretário-geral da CUT diz ainda que não há risco de confronto com os manifestantes anti-Lula em Brasília.

“Só houve enfrentamentos quando protestamos contra a Reforma da Previdência e a Trabalhista porque a violência sempre surge da repressão policial feita contra nossos atos que incomodam o governo. No impeachment da Dilma, a polícia montou essa mesma separação. Tinha muita gente de direita, contrários às nossas ideias. Houve muita provocação, mas não teve confronto”, afirmou.

Tom pacífico também foi adotado pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Líderes nacionais do grupo, como Kim Kataguiri, estarão na Esplanada dos Ministérios.

Um dos mais numerosos movimentos anti-Lula, o Vem Pra Rua tomou a decisão de não participar das manifestações em Brasília por não ver condições de segurança dos manifestantes no ato.

“Nós prezamos as manifestações pacíficas e ordeiras. Não nos interessa o confronto nem o desafio. Isso não é Fla-Flu. Sabemos que alguns integrantes do nosso movimento devem comparecer em Brasília, mas, por questões de segurança, preferimos antecipar o nosso ato para hoje (terça-feira)”, afirmou a porta-voz do grupo, Adelaide Oliveira.