A sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro tem ao menos quatro brechas que dão margem a uma absolvição do petista pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), avaliam advogados e juristas ouvidos pelo Valor.

Não estaria totalmente comprovado se Lula, enquanto era presidente da República (2003-2010) solicitou, aceitou ou recebeu vantagem da empreiteira envolvida na polêmica do triplex do Guarujá. Também há dificuldades para se evidenciar se a transação do litoral paulista estava relacionada ao exercício da função pública, se Lula teria praticado um ato de ofício que favorecesse algum agente privado envolvido no caso e se sabia dos ilícitos na Petrobras ou dos acertos de contas entre operadores e empreiteiros.

Lula terá sua apelação à decisão de primeira instância julgada pelo tribunal, que fica em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro. Seu destino será decidido por três desembargadores que compõem a 8ª Turma da Corte criminal.

A sentença teve por base denúncia oferecida pelos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Eles sustentam que Lula foi beneficiário de um total de R$ 3,7 milhões em vantagens indevidas pagas pela OAS e vinculadas a três contratos da empreiteira com a Petrobras. Por essa razão Moro é o juiz do caso, já que o magistrado atua nos processos federais de primeira instância relacionados à estatal.

Mas na opinião do criminalista Fábio Tofic Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), crítico à Lava-Jato, não é possível afirmar que Lula recebeu o tríplex da OAS como vantagem indevida em razão de ocupar o cargo de presidente da República. Nem mesmo vincular a suposta propina à empreiteira, segundo o criminalista.

O advogado criminal destaca que a acusação é centrada no depoimento do ex-presidente da OAS e candidato a delator da Lava-Jato, José Adelmário Pinheiro Filho, o “Léo” Pinheiro.

Pinheiro afirmou em interrogatório a Moro, prestado no curso da ação penal, que quando em 2009 a OAS assumiu a obra do edifício Solaris, que então era conduzida pela Cooperativa dos Bancários de São Paulo (Bancoop), o à época presidente da entidade, João Vaccari Neto, teria mencionado ao empreiteiro que o apartamento já estava destinado a Lula. “Se isso for verdade, então o tríplex já era do Lula, antes de a OAS assumir a obra”, observa Simantob.

Ele lembra que, de acordo com a sentença, a decisão de dar a reforma de presente ao ex-presidente foi tomada apenas em 2014. “Em conversa do Léo Pinheiro com o Vaccari, em 2014, citada na sentença, o empreiteiro o indaga sobre quem afinal iria arcar com as despesas da reforma. O mais importante é a declaração dada pelo Vaccari, segundo a versão do Léo Pinheiro: “como despesa pessoal não está no nosso acerto, eu preciso ver”, ele diz. Por essa versão, Lula teria aceitado a promessa de propina, por intermédio de Vaccari, mas somente após o término do mandato presidencial”, conclui Simantob. “A sentença do Moro sequer se preocupa em vincular isso a um período em que Lula ainda era presidente”, critica o criminalista.

Simantob também faz crítica a outro trecho da decisão condenatória de Moro. “Ele diz que não é preciso um ato de ofício [praticado durante o mandato] favorecendo a OAS para condená-lo por corrupção, que é, basicamente, o entendimento do mensalão. Basta dizer que ele recebeu propina em razão da função. Entretanto, Moro diz na sentença que a razão da propina foi Lula nomear diretores da Petrobras. Mas em momento algum o juiz aborda se o Lula de fato conhecia os malfeitos na Petrobras”. Por essa linha, hipóteses ainda sujeitas à comprovação “foram tratadas na sentença como verdades absolutas, como se já tivessem passado pelo escrutínio da prova”, diz Simantob.

Na avaliação de advogados ouvidos pela reportagem, Moro partiu da premissa de que Lula é culpado de corrupção. Há trechos da decisão vistos como decisivos para apontar esse entendimento. Em um deles, Sérgio Moro afirma que “como foi provado o crime de corrupção”, não é relevante discutir se Lula “tinha ou não conhecimento do papel específico dos diretores da Petrobras na arrecadação de propinas”. A sentença, portanto, partiria da premissa de que o réu cometeu o crime de corrupção para depois concluir que, por isso, tinha conhecimento dos ilícitos praticados na Petrobras.

Para o criminalista Fernando Castelo Branco, “há uma falta de atenção para o fator preponderante deste recurso. O [a intenção] dolo eventual passou a ser o carro-chefe nessa análise de culpabilidade. Com isso, não existe preocupação com a demonstração efetiva do dolo, que no caso de corrupção passiva é um elemento indispensável”, diz o coordenador do curso de pós-graduação de Direito Penal do IDP-São Paulo.

“Ao se debruçar sobre a sentença do juiz Sergio Moro, verifica-se que não há uma prova dessa conduta voluntária e intencional por parte do ex-presidente. Tudo está no plano da conjectura e suposição”, completa Castelo Branco.

Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seção São Paulo, Frederico Crissiuma Figueiredo diz que a sentença que condenou Lula tem “evidentes falhas” do ponto de vista técnico.

“Valendo-se de sofismas e argumentos pré-concebidos, modifica a acusação inicial e condena com base em presunções sem fundamento probatório necessário para justificar a condenação”, diz Crissiuma.

Já o criminalista Fernando Araneo, advogado do Escritório Leite, Tosto & Barros, afirma que a sentença “não demonstra a existência de ato de ofício específico” que indique corrupção passiva.

Fonte:  Valor Econômico