Habeas para Garotinho reabre polêmica sobre prisão em segunda instância

Juristas, constitucionalistas e criminalistas comentam decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, que concedeu HC preventivo ao ex-governador do Rio, condenado a quatro anos e meio de reclusão, até o esgotamento de todas as possibilidades de recurso na Justiça

Redação

11 Outubro 2018 | 09h50

A decisão do ministro do Supremo Ricardo Lewandowski de conceder habeas corpus preventivo ao ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) reabriu a celeuma sobre a prisão em segunda instância. Segundo a determinação de Lewandowski, o ex-governador não poderá ser preso até ter esgotadas todas as possibilidades de recurso na Justiça ou até que a Corte máxima volte a discutir a questão, no julgamento das ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) 43 e 44.

Garotinho foi condenado a quatro anos e meio de reclusão, em regime inicial semiaberto, por formação de quadrilha (artigo 288 do Código Penal).

Para Vera Chemim, advogada constitucional, ‘trata-se de uma decisão que afronta o que foi exaustivamente debatido e aprovado no Plenário do STF, com relação à prisão em segunda instância, além de desrespeitar o Princípio da Colegiabilidade e a própria decisão do Relator do STJ’.

O ministro Gurgel de Faria, do STJ, indeferiu no último dia 27 um pedido para atribuir efeito suspensivo ao recurso especial do ex-governador contra acórdão de segunda instância que, em ação por improbidade administrativa, condenou-o à suspensão dos direitos políticos.

“Essa decisão provoca um constrangimento perante os seus pares, com o agravante de se estar diante de um fato inquestionável que remete a um ato ilícito de um agente político que lesou a ‘coisa pública’. A decisão do Plenário, tomada neste ano no caso da prisão do ex-presidente Lula, foi em sede de um Recurso Extraordinário correspondente a um caso concreto. Porém, foi reconhecida a repercussão geral do tema”, critica Chemim.

Fernanda Carneiro de Almeida, criminalista e professora da pós-graduação em Direito Penal do IDP-São Paulo, diz que a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância ‘continua suscitando celeumas e decisões contraditórias por parte do poder judiciário, inclusive aquelas proferidas por ministros do STF’.

Fernanda avalia que a questão ainda ‘provocará muita discussão’.

“Enquanto parte dos julgadores argumenta que essa possibilidade feriria o princípio da presunção de inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, outra parte alega que a chamada ‘execução provisória da pena’ seria a única forma de harmonizar tal princípio com a efetividade da Justiça. A questão, infelizmente, parece longe de ser resolvida”, ela analisa.

Segundo João Paulo Martinelli, professor da pós-graduação em Direito Penal do IDP-São Paulo, o julgamento das ADCs é que vai decretar a posição final sobre o assunto. “O ministro Lewandowski quis evitar a prisão automática, semelhante àquela súmula do TRF-4, que permite a prisão automática com a condenação em segunda instância. Vale ressaltar que o STF até agora só vem decidindo casos pontuais, se a prisão antes do trânsito em julgado é cabível ou não. O resultado do julgamento das duas ADCs é que vai valer para todos os casos.”

O criminalista Conrado Gontijo destacou. “A decisão do ministro Lewandowski no habeas corpus de Garotinho é a confirmação de que o direito fundamental à presunção de inocência, embora gravemente violado com a admissão da execução antecipada da pena, ainda existe e deve ser reverenciado.”

“Sob o enfoque da Constituição Federal e da legislação processual penal, a decisão é irretocável e resgata valores fundamentais que o posicionamento atualmente dominante vem desprezando. Espero que o Supremo reexamine a questão atinente à matéria em plenário, no âmbito das ADCs 43 e 44, o quanto antes, para que seja restabelecida a vigência do postulado fundamental da presunção de inocência, na amplitude que a Constituição assegura”, conclui.

O constitucionalista e criminalista Adib Abdouni também defendeu o posicionamento de Lewandowski. “Enquanto não ocorre o julgamento definitivo das ADCs 43 e 44, não parece razoável que o princípio da colegialidade possa se sobrepor ao livre convencimento do ministro relator. Este, ao decidir favoravelmente a Anthony Garotinho, agiu com acerto, vez que estava em jogo bem jurídico de índole constitucional da mais alta importância, o da presunção de não culpabilidade.”

Adib critica ainda a insistência do Supremo em não rediscutir o tema. “A tutela jurisdicional a fim de garantir a liberdade de locomoção encontra-se sujeita à inescusável burocracia da Corte Suprema, na medida em que sua atual Presidência insiste no mesmo erro da administração anterior. Ou seja, revela-se recalcitrante em não pautar o tema e definir de vez a questão, trazendo à tona uma desnecessária sensação de insegurança jurídica que impressiona toda a sociedade e depõe contra a credibilidade do próprio STF.”