Autores: Fernando Castelo Branco e Fernanda de Almeida Carneiro

A melhor arma para enfrentar organizações criminosas certamente é o rastreamento e bloqueio do capital sujo que as financiam. Diante desse fato, o aprimoramento dos mecanismos de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro é imprescindível.

Exatamente com esse objetivo, após longo período de tramitação legislativa, foi promulgada a Lei 12.683/12, que trouxe significativas alterações à Lei 9.613/98, a conhecida “Lei de Lavagem de Dinheiro”.

Dentre as novidades, chama atenção a listou diversas pessoas e entidades sobre as quais recai a obrigação de colaborar com as autoridades públicas na repressão ao referido crime (art. 9º).

As pessoas “sujeitas ao mecanismo de controle” devem organizar e sistematizar um cadastro de seus clientes, além de comunicar às autoridades – no caso, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) – sobre operações suspeitas de seus clientes (artigo 11º, II).

Dentre outras, devem apresentar essas informações pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações financeiras, societárias ou imobiliárias (art. 9º, XIV) – atividades que, geralmente, contam com a atuação de advogados.

A maior polêmica diz respeito justamente à inclusão, ou não, dos advogados nesse rol, em virtude do sigilo constitucionalmente assegurado no exercício de sua profissão (art. 133, CF) deu origem a uma nova discussão: a existência de duas classes de advogados.

Isso porque, em acalorado debate, parte dos juristas afirma ser preciso seguir a orientação internacional de que o sigilo profissional do advogado é relativo.

Argumentam que diversas legislações estrangeiras – como, por exemplo, da Espanha, Canadá e Estados Unidos – além de diretivas do Parlamento Europeu, estabelecem a existência de duas “classes” de advogados: aqueles de representação contenciosa judicial ou extrajudicial; e aqueles sem relação direta com litígio ou processo, mas que colaboram materialmente para consolidar operações financeiras, comerciais, tributárias ou similares.

A análise normativa internacional exonera apenas os primeiros do dever de comunicação, em respeito ao princípio da confidencialidade da relação advogado/cliente.

Os demais, denominados gatekeepers, deveriam prestar informações sobre atos suspeitos de lavagem de dinheiro que cheguem ao seu conhecimento, sob o argumento de que o advogado que colabora com estruturação de operações que possam ser utilizadas para lavagem, não exerce a defesa do cliente, nem aprecia sua situação jurídica, não estando assegurado, portanto, o sigilo de sua atuação.

No entanto, não há, em nosso ordenamento jurídico, qualquer distinção de “classe” entre os advogados.

Além de prevista expressamente na Constituição Federal – que não faz qualquer distinção de “categoria” entre advogados, a garantia do sigilo e confidencialidade na relação advogado/cliente é estabelecida pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), que autoriza o advogado a não depor como testemunha sobre fato que constitua sigilo profissional, e institui infração profissional sua violação (art. 7º, XIX e art. 34, VII).

O Código Penal, por seu turno, tipifica a conduta do advogado que viola segredo profissional (art. 154), e a proibição de depor na condição de testemunha, nesses casos, é prevista, também, tanto no Código de Processo Penal (art. 207), quanto no de Processo Civil (art. 405).

Entendemos, portanto, não ser cabível a aplicação das regras contidas na Lei 12.683/2012 aos advogados e sociedades de advogados que atuem estritamente dentro dos limites éticos e normativos de sua profissão.

Contudo, a inviolabilidade do advogado no exercício da profissão é resguardada pela Constituição Federal, que, em seu artigo 133, determina ser o advogado “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Trata-se, como se vê, de norma constitucional de eficácia contida, produzindo imediata e plenamente seus efeitos, a serem possivelmente delimitados pelo legislador ordinário.

Os contornos da inviolabilidade do advogado estão traçados pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) e pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, normas especiais por meio das quais se deve pautar a atividade dos profissionais, instrumentalizando seus direitos e deveres.

De plano, convém identificar as atividades acobertadas pelas disposições inerentes à advocacia, quais sejam: (I) a postulação a órgão do Poder Judiciário e (II) as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas (art. 1º da Lei 8.906/94).

Vê-se, portanto, que inexiste aprioristicamente qualquer diferenciação entre as atividades de representação contenciosa e atuação consultiva ou assessoria jurídica em operações: ambas são atividades privativas da advocacia e estão acobertadas pela mesma disciplina profissional. Admitir a existência de duas “classes” de advogados, uma delas destituída de sigilo profissional, configuraria incabível entorse nos deveres institucionais classicamente consagrados e constitucionalmente delimitados.

Fixada a impossibilidade de distinção entre “classes” de advogados, questão que se pretende descortinar é a abrangência do sigilo profissional inerente à advocacia. Nesse sentido, o Estatuto estabelece o sigilo não apenas como direito, mas principalmente como dever dos advogados, consistindo infração disciplinar ― sob pena de censura, suspensão, exclusão e multa ― sua violação (art. 34, VII, da Lei 8.906/94).

Sem embargo, parece inquestionável, no cenário atual – inclusive internacional –, que os advogados que tenham sua atuação de qualquer forma relacionada a litígios e ações contenciosas, não são alcançados pela obrigação de comunicação de atividades suspeitas de seus clientes.

Não menos evidente deve ser o reconhecimento de que mesmo a advocacia consultiva e a prática de direção e assessoria jurídica, assim considerados atos privativos de advogado, estão acobertadas pelo sigilo profissional e, portanto, impossível seria pretender sua sujeição às obrigações administrativas contempladas pela nova lei.

Conclui-se, portanto, que o ordenamento jurídico sistematicamente interpretado, calcado no princípio da especialidade – segundo o qual norma específica derroga a geral – não permite solução outra senão o reconhecimento da extensão do sigilo profissional a todos os dados e informações obtidas mediante a prática de atividade privativamente reservada à advocacia: sejam eles ligados à postulação ao Poder Judiciário ou restrinjam-se a consultas ou assessoramento jurídicos.

Fernando Castelo Branco, Advogado criminal, Professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e do Programa de Educação Continuada e Especialização em Direito Gvlaw da Fundação Getúlio Vargas.

Fernanda de Almeida Carneiro, Advogada criminal, Pós graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.