Considerações sobre a criminalização do abuso de autoridade
Publicado em: 24 ago, 2019
FERNANDO CASTELO BRANCO E DANIEL TAVARES DA SILVA. ADVOGADOS CRIMINAIS
Na última quarta-feira (14/8), a Câmara dos Deputados aprovou projeto legislativo que altera a Lei do Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65). Muito embora o Direito Penal seja a mais gravosa e última esfera de proteção social, devendo-se restringir os bens jurídicos por ele tutelados, a criminalização do abuso de autoridade é fundamental para a regulação dos excessos praticados pelos agentes do poder estatal no exercício de suas atribuições.
É facultado ao Estado, naturalmente, o uso legítimo da força por seu aparato, para fazer valer o Direito. O que se criminaliza e pune no atual projeto é o uso desmedido e abusivo dessa força.
No âmbito da famigerada operação “Lava Jato”, por exemplo, presenciaram-se condutas ilegais de quem se deveria esperar o estrito cumprimento da lei: vulgarização e espetacularização das prisões, ilegalidade de conduções coercitivas, excessos arbitrários nos procedimentos de busca e apreensão, exposição pública de procedimentos sigilosos, dentre outros.
Não se trata aqui de frear investigações, tampouco assegurar a impunidade em relação à criminalidade. Repita-se, o que se propõe é estabelecer limites e balizamentos aos atos praticados pelas autoridades públicas, de forma que os crimes sejam combatidos dentro do estrito cumprimento do devido processo legal.
Apesar da evidente necessidade da criminalização da conduta abusiva, o atual projeto está permeado de imprecisões e imperfeições, muitas delas denotando ausência de técnica legislativa que precisam ser corrigidas.
Sem a pretensão de esgotar todos os pontos que merecem a devida atenção de reparo do legislador, exemplo prático dessa imprecisão vem descrito no inciso III, do artigo 9º do PL no 7.596/17. O projeto criminaliza a conduta de magistrado que “dentro de prazo razoável deixar de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível”. Embora sujeita a críticas, a atividade judicante é dotada de limitado poder discricionário na interpretação das leis.
Ou seja, “manifestamente cabível” para o magistrado mais rigoroso pode ser decretar ou manter uma prisão, enquanto para o mais liberal, em caso análogo, revogá-la ou conceder habeas corpus pode parecer a medida correta. As duas situações, entretanto, carecem, por mandamento constitucional, de fundamentação e motivação (art. 93, IX, da CF).
A ciência do Direito não é exata, como a matemática, mas é lógica, pois utilizando-se da hermenêutica, o magistrado extrai conceitos, critérios e orientações que o possibilita compreender fatores influenciantes e práticos vividos na sociedade buscando a correta aplicação da lei.
Portanto, caberá ao legislador buscar o equilíbrio necessário entre criminalizar as condutas notadamente caracterizadoras de abuso de autoridade, sem inibir ou engessar a ação dos agentes públicos no exercício de suas atribuições.