Fausto Macedo

Estadão

17 de agosto de 2020

 

Com o propósito de “aperfeiçoar o sistema de prevenção e combate à corrupção”, no último dia 06 de agosto, diversos órgãos federais assinaram Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com novas normas para a condução de acordos de leniência.

Sob coordenação do Supremo Tribunal Federal, o documento foi firmado por representantes da Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União, Tribunal de Contas da União e Ministério de Justiça e Segurança Pública. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras – que deveria ser um dos signatários, representando o Ministério Público Federal –, afirmou, entretanto, que aguardaria nota técnica da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF para se posicionar.

A relutância se justifica: ao propor um modelo de “balcão único”, houve, conforme amplamente noticiado na imprensa, o afastamento do MPF da condução da negociação e celebração de acordos de leniência.

De acordo com o ACT, caso o MPF seja o primeiro a constatar o envolvimento de pessoa jurídica em atos ilícitos, deve acionar a CGU ou AGU para condução de eventual acordo. Apenas após sua celebração por aqueles órgãos, haveria o compartilhamento de documentos com o MPF para que as pessoas físicas envolvidas fossem responsabilizadas.

Não se trata, propriamente, de regra inovadora. Embora em tempos de Operação Lava-Jato tenha se tornado corriqueira a celebração de acordos de leniência pelo MPF – tendo como fundamento a teoria dos poderes implícitos – a Lei Anticorrupção (12.846/2013) prevê, expressamente, que a competência para negociar acordos de leniência no âmbito do poder executivo federal é exclusiva da CGU.

Ao longo de todo o ACT fica clara a intenção da CGU de retomar o papel central na celebração de tais acordos. Após elencar uma série de princípios gerais relacionados ao combate à corrupção e outros especificamente aplicáveis aos acordos de leniência, além de pilares que devem regê-los, é reiteradamente mencionada a necessidade de “respeito às atribuições e competências estabelecidas pelo arcabouço normativo brasileiro”.

O ACT frisa, ainda, que todas as instituições devem atuar conjuntamente e de forma coordenada na prevenção, na persecução a ilícitos e na recuperação de valores desviados, mas sempre “em estrita observância às suas atribuições e competências legalmente estabelecidas na matéria”. Além disso, devem evitar eventuais inovações que tenham por objeto a alteração de dispositivos da legislação anticorrupção – fica claro que a “inovação” mencionada é a atuação do MPF, sem embasamento legal e calcada exclusivamente em notas técnicas geradas pelo próprio órgão.

O clima beligerante fica nítido ao acessar os sites da CGU e MPF. Ambos os órgãos, buscando divulgar seus feitos, exibem tabelas e informações relacionadas a acordos de leniência: o primeiro apresenta informações sobre os 11 acordos firmados, bem como os valores acordados e já pagos; o MPF, por seu turno, apresenta dados sobre os 32 acordos homologados, 20 deles no âmbito da operação Lava-Jato.

A Associação Nacional dos Procuradores da República, em manifestação sobre o tema, rechaçou o que considera o não reconhecimento de seu papel de preponderância: “alijar o Ministério Público dos acordos de leniência não atende ao interesse público, por não produzir os efeitos de segurança jurídica desejados, além de enfraquecer os esforços do país contra a corrupção”.

Já a nota técnica emitida pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão no dia 10, recomenda, como era esperado, que o MPF não adira ao ACT. Ao longo de suas 47 páginas, o documento rebate a redução do campo de atuação do MPF em matéria de leniência, que seria, inclusive, inconstitucional. Defende, entretanto, a realização de um amplo acordo entre as instituições – desde que, obviamente, não restrinja sua própria atuação.

Enquanto existir disputa entre as autoridades, sobreposição de atuações e busca incansável pelo protagonismo – trazendo clara insegurança jurídica aos acordos de leniência – quem sai perdendo é o país.

É imperioso que os órgãos se unam em torno de uma agenda comum, pautada na legalidade, com máximo empenho de todos para evitar o retrocesso no combate à corrupção.

*Fernanda de Almeida Carneiro, advogada criminal, sócia do Castelo Branco Advogados.