Cinco perguntas para entender o julgamento dos recursos de Lula em Porto Alegre
Ex-presidente foi condenado em segunda instância pelo TRF4 em janeiro de 2018. STF vai votar habeas corpus no dia 4 de abril
por BBC Brasil
26/03/2018
Quase dois meses depois do julgamento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva (solicitar ou receber vantagem em função do cargo público) e lavagem de dinheiro (dar aparência legal a recursos vindos do crime), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) se manifestará nesta segunda-feira sobre o que deve ser o último recurso de sua defesa na corte dePorto Alegre.
Após essa análise pelos desembargadores, o juiz federal Sergio Moro, que condenou o petista na primeira instância – decisão confirmada pelo TRF-4 em 24 de janeiro –, poderia assinar imediatamente um mandado de prisão.
Poderia. Mas na última quinta-feira o Supremo Tribunal Federal concedeu um salvo-conduto ao petista: Lula não poderá ser preso até que os onze ministros do STF terminem o julgamento de um habeas corpus apresentado pela defesa, cujo julgamento começou naquele dia. A corte voltará ao tema no dia 4 de abril.
A previsão da assessoria do ex-presidente é que ele dê continuidade nesta segunda-feira à caravana que está fazendo pelos Estados da região Sul – pelo cronograma, estará no interior do Paraná.
Conheça abaixo as respostas para quatro perguntas sobre o assunto:
- Qual é o processo que pode resultar na prisão de Lula?
O julgamento desta segunda-feira diz respeito ao caso conhecido como “tríplex do Guarujá”.
Nesse processo, Lula é acusado de receber propina da construtora OAS por meio da reserva e reforma de um apartamento de três andares na cidade litorânea do Guarujá (SP) em troca do favorecimento à empreiteira em contratos com a Petrobras.
O Ministério Público Federal estima que o apartamento e a obra, somados, totalizem cerca de R$ 2,4 milhões. Lula nega qualquer irregularidade – diz que o imóvel nunca foi seu.
- Quem julgará o quê, onde e a que horas?
A sessão de julgamento desta segunda-feira está marcada para 13h30, mas o caso de Lula não será o único a ser apreciado.
Estão previstos para o mesmo dia um embargo de declaração do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB) e três apelações criminais do réus da operação Lava Jato – uma delas é do pecuarista e amigo de Lula, José Carlos Bumlai.
O julgamento dos embargos de declaração de Lula caberá aos mesmos três desembargadores do TRF-4 que o condenaram em janeiro. São eles Victor Laus, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen, integrantes da 8ª Turma do TRF-4, tribunal sediado em Porto Alegre (RS).
Nesse tipo de julgamento, diz a assessoria do TRF-4, nem a defesa dos réus e nem o Ministério Público têm direito a usar a palavra. A sessão não será transmitida ao vivo.
- O que são os ‘embargos de declaração’?
No jargão jurídico, esse tipo de recurso é apresentado para tentar resolver possíveis omissões, contradições, pontos obscuros e até erros de digitação em uma decisão judicial.
Os três desembargadores decidirão a respeito de um recurso de 175 páginas apresentado pela defesa de Lula no dia 20 de fevereiro. Na peça, os advogados Cristiano Zanin Martins e José Roberto Batochio apontam 41 possíveis omissões, contradições e pontos obscuros na decisão de 24 de janeiro.
No documento, os defensores apontam supostos erros na argumentação dos desembargadores. Citam, por exemplo, depoimentos de delatores que contradiriam pontos da sentença. Sustentam também que Sergio Moro não tinha a isenção necessária para julgar o petista – mencionam, entre outros pontos, a página no Facebook “Eu Moro Com Ele”, criada pela mulher do juiz paranaense – e questionam decisões tomadas ao longo do processo que teriam prejudicado o direito de defesa do ex-presidente.
- O que Lula pode conseguir com esse recurso?
O petista pode, em tese, obter mudanças no texto final da sentença que o condenou na segunda instância ou nos votos dos desembargadores (o chamado acórdão).
Se Laus, Paulsen e Gebran decidirem de forma unânime, Moro poderá usar apenas o resumo do resultado desta segunda-feira para emitir uma ordem de prisão contra o petista, no mesmo dia. Se houver divergências, o juiz precisará aguardar a publicação da íntegra da decisão sobre os embargos – que demora entre cinco e dez dias. De qualquer forma, Lula não será detido antes do dia 4 de abril, graças ao STF.
No fim do recurso a ser julgado hoje, Lula pede que a decisão dos desembargadores nesta segunda-feira tenha “efeitos infringentes”, isto é, altere a sentença imposta a ele. Se isso não ocorrer, pede a defesa, Lula deveria ser absolvido (inocentado).
Mas é improvável que isso ocorra, diz a advogada criminalista Fernanda de Almeida Carneiro, que é professora do Instituto de Direito Público (IDP).
“Os embargos de declaração geralmente não têm efeito modificativo (de mudar a sentença). A defesa pode pedir que eles tenham esse efeito se, ao reconhecer essa omissão ou contradição, o juiz tenha necessariamente que absolver. É o que ocorre quando há um erro de digitação, por exemplo. Mas nesse caso do Lula esse pedido dificilmente vai proceder”, afirma.
- Lula pode apresentar mais algum de recurso depois desse?
Em tese, sim. A defesa de Lula poderia apresentar novos embargos de declaração para tentar esclarecer algum ponto na decisão esta segunda-feira.
Na prática, porém, os desembargadores do TRF-4 não têm permitido os chamados “embargos dos embargos”, por considerá-los “protelatórios”, isto é, algo que só tem por objetivo atrasar o processo, e não esclarecer dúvidas legítimas.
“Em tese, os embargos de declaração não têm limitação. Então, cabem contra qualquer decisão que tenha pontos obscuros. Teoricamente, isso pode acontecer também na decisão desta segunda-feira. É lógico que em algum momento o tribunal vai dizer que os novos embargos são só protelatórios. É o que deve acontecer com os possíveis novos recursos, se é que vão ser apresentados”, diz a criminalista Fernanda Carneiro.
Depois do julgamento no TRF-4, a defesa do petista poderá ainda recorrer aos tribunais superiores em Brasília: STJ e STF.