Caso Neymar: Não entregar provas é incomum e fragiliza palavra de Najila
Felipe Pereira e Karla Torralba
Do UOL, em São Paulo
21/06/2019
Najila Trindade alegou ter elementos que ajudariam a comprovar a acusação de estupro contra Neymar. Um vídeo, troca de mensagens e ameaças recebidas. Maior interessada em confirmar sua denúncia, era de se esperar que o material fosse apresentado à Polícia Civil. Isto, porém, nunca aconteceu e prejudica a tese da modelo. Esta é opinião de especialistas ouvidos pela reportagem do UOL Esporte sobre a polêmica que envolve o sumiço de celular e tablete.
Com dez anos de experiência, Gustavo Mesquita, presidente da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo, nunca viu um caso desta natureza, em que a suposta vítima não disponibiliza provas que poderiam decidir o caso a seu favor.
“Não é usual que a própria vítima, que teria interesse de ver o autor do crime responsabilizado, acabe prejudicando o acesso às provas”, diz Mesquita, que vê a atitude como bastante incomum.
Policiais civis com ainda mais anos de carreira do que o colega delegado e próximos da aposentadoria também falaram jamais ter trabalhado em uma investigação que a acusação renuncia a ajudar a provar que o suposto agressor é culpado.
As provas que Najila Trindade afirmou ter e não entregou estão no celular dela: um vídeo gravado em seu segundo encontro com Neymar, troca de mensagens com o jogador, uma conversa com uma amiga na noite do alegado estupro relatando o suposto crime e ameaças recebidas depois de registrar o boletim de ocorrência. No seu primeiro depoimento, a modelo se comprometeu a disponibilizar o telefone em 10 de junho, mas a promessa não foi cumprida, o que atrapalhou a investigação.
“As imagens seriam provas importantes ou até conclusivas para chegar à verdade. Na impossibilidade, o delegado vai utilizar todos os meios legais para tentar suprir a falta das provas. Pode representar por busca e apreensão em locais importantes, pedir a quebra de sigilo telefônico. Só o delegado que está ciente de tudo o que está acontecendo sabe o que deve ser feito”, disse o presidente da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo.
A última versão sobre o motivo de Najila não ter apresentado o aparelho à Polícia Civil foi explicada pelo advogado Cosme Araújo Santos. Segundo ele, a modelo não está com o celular desde 7 de junho, quando prestou depoimento na 6ª Delegacia de Defesa da Mulher. Haveria um “backup” do vídeo num iPad, mas o tablet teria sido furtado durante arrombamento ao apartamento da modelo.
Palavra de Najila fica fragilizada
Não entregar as provas que anunciou ter não significa a desconstrução da palavra da modelo, afirma Fernando Castelo Branco, criminalista, professor da PUC e da Escola de Direito do Brasil. Ele explica que a situação demanda investigação das circunstâncias porque furto, justificativa da modelo, é algo que pode ocorrer. Mas não apresentar o celular tem consequências na investigação. No entanto, Castelo Branco ressalta que deixar de apresentar as provas não significa afirmar que o estupro nunca ocorreu.
“O que vai parecendo é, é presunção apenas, que a história dela sempre foi sofrendo alterações circunstanciais pela dificuldade de ser mantida. Por isso tem que readequar a história. O que não tira a eventual prática de algum crime. Nas investigações de crimes de violência sexual entre quatro paredes há confronto da palavra da vítima com o investigado, então esses elementos circunstanciais de provas, que não é testemunhal, pericial, essas circunstâncias podem convalidar a linha da acusação”.
Ele acrescenta que o celular é uma situação em meio a outras.
“É uma somatória de fatores que convergem para a fragilização da palavra dela. Tablet furtado, celular. É um prejuízo para a investigação e enfraquece a palavra dela. Ela teria que ter zelo e guarda desses elementos e não teve”.
A delegada que tomou o depoimento de Najila fez questão de colocar no documento o compromisso da modelo em entregar o celular em 10 de junho. Descumprir a promessa pode ter desdobramentos mais sérios na avaliação do criminalista e doutor em Direito pela USP Conrado Gontijo.
“Quando ela descumpre, está praticando crime de desobediência. Sendo vítima, ela é a primeira interessada”, disse o criminalista.