A quebra do sigilo telefônico e as prerrogativas da advocacia
Ordem para grampear Roberto Teixeira viola prerrogativas, dizem …
Revista Consultor Jurídico, 16 de março de 2016, 22h23
Por Brenno Grillo
A quebra de sigilo telefônico do advogado Roberto Teixeira, autorizada pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, viola as prerrogativas da advocacia e pode anular o grampo. Assim entendem os advogados Wadih Damous, que também é deputado federal (PT-RJ), Alberto Zacharias Toron e Fernando Fernandes.
As decisões de Moro têm sido duramente criticadas há algum tempo pela advocacia, principalmente depois de ele ter permitido que o ex-presidente Lula fosse conduzido coercitivamente para depor em São Paulo . “É mais uma arbitrariedade cometida pelo juiz Sergio Moro”, diz Damous.
Segundo o deputado federal, a medida viola a Constituição, o direito à privacidade e a prerrogativa do advogado. “O juiz Sergio Moro acha que o país está aos pés dele e faz com ele o que bem entender”, afirma o Damous, que também cobra uma atitude do Supremo Tribunal Federal sobre essa atitude do juiz federal.
O professor e advogado Pedro Estevam Serrano também critica a atitude de Moro e afirma que decisões como essa são um risco à democracia. “O fato é um atentado à advocacia, muito perigoso para a democracia e para o Estado Democrático de Direito. A relação entre advogado e cliente é intangível para o Ministério Público, para a polícia, sob pena de destruir as bases do Estado de Direito.”
Alberto Zacharias Toron afirma que, além das prerrogativas, a atitude de Moro em divulgar os grampos afronta a lei das interceptações telefônicas, “que impede, em qualquer caso, a divulgação das conversas interceptadas”. “É assustador que esse juiz tenha permitido, não só a interceptação da conversa entre advogado e cliente, mas também a sua divulgação. Me parece merecedor de atenção do Conselho Nacional de Justiça”, complementa.
A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro emitiu nota em que manifesta “preocupação” com a preservação da legalidade e dos pressupostos do Estado Democrático de Direito. Para a OAB-RJ, “o procedimento do magistrado, típico dos estados policiais, coloca em risco a soberania nacional e deve ser repudiado, como seria em qualquer República democrática do mundo.”
“É fundamental que o Poder Judiciário, sobretudo no atual cenário de forte acirramento de ânimos, aja estritamente de acordo com a Constituição e não se deixe contaminar por paixões ideológicas. A serenidade deve prevalecer sobre a paixão política, de modo que as instituições sejam preservadas. A democracia foi reconquistada no país após muita luta, e não pode ser colocada em risco por ações voluntaristas de quem quer que seja. Os fins não justificam os meios.”
Conselheiro da OAB-SP, o advogado Paulo Iasz de Morais disse que “a sociedade brasileira não pode aceitar resignada os últimos acontecimentos que demonstram o claro desrespeito às Leis, constituição e instituições do Brasil por parte daqueles que governam”.
“Por outro lado também preocupa a forma com que os membros do Ministério Público e Juiz do Paraná tem conduzido os procedimentos investigatórios. Não se permite a figure de um juiz “xerife”, nem tampouco que persiga pessoas. A conduta de um magistrado deve estar sempre pautada na equidistância das partes para que com isenção possa julgar”, complementa o conselheiro seccional.
Justificativa Na decisão, Moro afirma que não identificou “com clareza relação cliente-advogado a ser preservada entre o ex-presidente e referida pessoa [Roberto Teixeira]”. Toron considera essa afirmação “no mínimo cínica”. “Ainda que Lula e Roberto Teixeira possam ter relação de amizade, marcada até mesmo pela relação de compadrio. Isso não exclui a relação profissional que há entre ambos e é notória.”
Essa afronta à lei das interceptações pode fazer com que o material colhido junto ao advogado seja anulado. A ideia é compartilhada entre Toron e o advogado Fernando Fernandes. “Pode anular apenas estas interceptações, as conversas entre advogado e cliente, mas não todas”, diz Toron.
Já Fernandes afirma que é “inquestionável” a relação profissional entre Roberto Teixeira e Lula, ainda mais porque o advogado atua em processos com procuração do ex-presidente e atual ministro da Casa Civil. “Bastaria isto, de forma cristalina, para tornar inadmissível a interceptação telefônica.”
“Ainda mais o Roberto Teixeira, que tem relação com o Lula decorrente de sua atividade profissional, porque o conheceu como presidente da [subseção da] OAB Santo André, sendo que Lula, como sindicalista, precisava da assistência da Ordem. Será necessário que essas gravações sejam destruídas, e o juiz, responsabilizado por esse abuso”, complementa Fernandes.
Tudo depende O advogado criminalista e coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP), Gustavo Neves Forte, explica que, apesar de o advogado ter prerrogativa de sigilo, tudo depende do momento em que ele foi interceptado.
“O advogado que estiver efetivamente exercitando sua função, constitucionalmente assegurada, não pode ter a interceptação dele com um cliente utilizada como prova em um processo. Porém, se o advogado não estiver no exercício de suas funções — ainda que tenha um contrato com esse cliente — e se estiver cometendo possíveis crimes, pode ser, sim, objeto de investigação e ter suas conversas interceptadas sem que isso constitua ilegalidade”, diz Forte.
Na opinião do também criminalista Daniel Gerber, do Eduardo Ferrão Advogados Associados, a possibilidade de grampear as conversas de um advogado surge quando o profissional avança os limites de sua atuação profissional. “A grande dúvida é saber a maneira pela qual o juiz chega a tal conclusão: se primeiro interceptou para somente após chegar à conclusão, o ato é nulo por violação do estatuto da OAB.”
Em 2014, o tema foi debatido pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu serem válidas as interceptações que ocorreram graças ao monitoramento, autorizado pela Justiça, dos aparelhos de um suspeito. A decisão foi tomada pela 5ª Turma da corte. À época, a relatora do caso, ministra Laurita Vaz, argumentou que “não é porque o advogado defendia o investigado que sua comunicação com ele foi interceptada, mas tão somente porque era um dos interlocutores”.
Segundo a ministra, a interceptação telefônica abrange a participação de qualquer interlocutor e seria ilógico admitir que a prova colhida contra o interlocutor, que recebeu e fez chamadas para a linha legalmente interceptada, é ilegal.