A anulação da sentença de Moro que condenou Aldemir Bendine na Lava Jato
Giordanna Neves
30Set19
No dia 27 de agosto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a decisão do ex-juiz Sérgio Moro de condenar o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, por corrupção e lavagem de dinheiro. Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia votaram pela anulação. O ministro Edson Fachin votou contrariamente à defesa. O quinto integrante, Celso de Mello, não esteve presente na sessão.
Moro tinha condenado Bendine a 11 anos de prisão. Em março de 2018, o TRF-4 reduziu a pena para 7 anos e 9 meses. Em abril deste ano, ele foi solto, pois a condenação ainda não tinha sido confirmada pela segunda instância.
A decisão de mantê-lo mais tempo fora da prisão foi motivada por questões técnicas e processuais. Para o advogado de Bendine, Alberto Toron, os réus que firmaram acordo de delação premiada devem se manifestar primeiro e, posteriormente, os outros acusados, para que estes tenham a oportunidade de se defenderem. Mas, indo na contramão desta tese, Moro abriu prazo conjunto para os réus se manifestarem nas alegações finais do processo. Na verdade, essa fixação dos mesmos prazos para delatores e delatados foi uma constante ao longo da Lava Jato.
A maioria da Segunda Turma concordou com o argumento do advogado. Agora, o processo de Bendine deverá voltar para a primeira instância da Justiça Federal em Curitiba.
A partir desse cenário, surge o questionamento: essa medida, determinada a partir do caso de Bendine, poderá afetar outros processos da Lava Jato? O plenário do STF debate essa pendência. Na quinta-feira, 26 de setembro, a maioria da Corte, por 7 votos a 3, determinou que réus delatados devem apresentar alegações finais depois dos delatores. Ou seja: esse novo entendimento pode servir como justificativa para a anulação de condenações em processos que foram baseados na regra anterior.
Mas, o alcance dessa nova decisão ainda será discutido. Na próxima quarta-feira, 2 de outubro, o plenário do Supremo decidirá se esse posicionamento valerá para processos em que as condenações já foram definidas ou somente a partir de agora.
Afinal, quais aspectos constitucionais orientam essa nova interpretação? Indo além: qual o reflexo à Operação Lava Jato? Especialistas expressam posicionamentos antagônicos frente a esse cenário.
A Lei no caso Bendine
Após a decisão da Segunda Turma do STF, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná, por meio de nota, disse estar imensamente preocupada. Para eles, essa nova regra na ordem de alegações finais de delatados e delatores não está prevista no Código de Processo Penal ou na lei que regulamentou as delações premiadas.
Qual a avaliação pode ser feita acerca da decisão da Segunda Turma do Supremo?
Segundo o procurador de Justiça e diretor do movimento do Ministério Público Democrático, Mário Papaterra, o Código de Processo Penal e a lei que regulamentou as delações premiadas não abordam nada em relação à ordem das alegações finais de delatores e delatados. Ele avalia que a lei estabelece, como regra básica, apenas que a defesa se pronuncie depois da acusação –“porém, o delator também é réu e, como tal, deve falar depois da acusação”.
Quanto à anulação da condenação, ele pondera: “O Código de Processo Penal estabelece que nenhum ato será declarado nulo se não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Ainda que se entenda que o delatado deve apresentar alegação final depois do delator, é preciso demonstrar que a não observância da ordem lhe trouxe prejuízo. Neste caso [do Bendine], o teor da delação era de conhecimento geral, então me parece insustentável dizer que houve prejuízo para a defesa.”, completa o procurador.
Na contramão, o advogado criminal e professor de Direito Processual Penal, Fernando Castelo Branco, afirma que apesar de não haver no Código de Processo Penal uma determinação sobre a ordem entre delatores e delatados, é evidente que há uma garantia maior de ampla defesa, assegurada pela Constituição. A ampla defesa está presente no artigo quinto e corresponde a um direito constitucional conferido ao acusado, para que o mesmo possa se defender, sem qualquer espécie de impedimento de seus direitos constitucionais. Para ele, ferir essa garantia é uma demonstração clara de prejuízo ao acusado.
“As regras infraconstitucionais do processo penal não podem ser vistas e operadas fora dessa conceituação garantista da constituição federal. O delator, que é um acusador por motivação e por espontaneidade, pode fazer novas acusações contra o delatado. Se não for garantido ao delatado responder por último, há um ferimento de morte em relação à ampla defesa.”, reforça o advogado.
De acordo com o advogado criminalista, Renato Stanziola, o delator é, por disposição de lei, um sujeito interessado em contribuir com a prova produzida pela acusação. Se ele não entrega as informações, não obtém as vantagens que a lei prevê em seu favor. Por isso, em suas palavras, o delator não é um réu que tenha um comportamento de defesa passivo ou que apenas negue os fatos ou a autoria, mas se defende auxiliando na acusação.
“O acusado tem o direito ao confronto da prova acusatória, que pode ser produzida pela acusação, pelo assistente da acusação ou, agora, pelo delator. E ele precisa conhecer a acusação por completo para, assim, rebatê-la. Portanto, a decisão do STF merece ser entendida”, enfatiza Renato.
O futuro da Lava Jato
Conforme o balanço da Lava-Jato, a medida jurídica da Segunda Turma tem capacidade para anular 32 sentenças, envolvendo 143 réus condenados somente na operação. Se houver uma interpretação menos ampla, pode diminuir o impacto da decisão.
“Se o entendimento for aplicado nos demais casos da operação Lava Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos[…]”, afirma procuradores do Ministério Público do Paraná, por meio de nota.
Mário Papaterra considera que se houver a mesma interpretação para todos os casos, muitas decisões serão anuladas com a reabertura dos prazos para o oferecimento de alegações finais. “Será uma vitória do formalismo, porque haverá a presunção de prejuízo para a defesa quando o prazo for comum para todos os réus – insisto que delator e delatado são réus”. No entanto, o procurador acredita que haverá julgamento diferente para cada caso concreto.
Por outro lado, Fernando Castelo Branco garante que se as regras foram burladas e desrespeitadas, os processos notadamente têm que ser anulados, como fez o STF, guardião da Constituição. Para ele, não há outra solução se não a nulidade do que foi feito de uma forma não prevista em lei, sem preservar o devido processo legal. “A Lava Jato primou-se com grandes avanços em prol da sociedade. Mas, muitas vezes, para chegar a um resultado punitivo e acusatório, burlou o sistema legislativo. Qualquer combate à corrupção tem que ser feito a partir do cumprimento da Lei”, pontua.
Renato Stanziola complementa que o implemento de norma, que garanta o Estado de Direito, não pode ser analisado como sendo responsável pela fragilidade de um desejado controle criminal. Ele alega que se a regra tivesse sido observada no início do processo, não se chegaria ao ponto de anular o caso concreto e não se questionaria, agora, onde está o erro a ser corrigido. Quanto ao possível enfraquecimento da Lava Jato, ele enfatiza: “Não é uma ou outra decisão que enfraquece a operação, pois, com a exposição do erro, a operação se enfraquece por si mesma”.
Uma onda crítica à operação?
O voto da ministra Carmen Lúcia a favor da anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, gerou tamanha surpresa. Afinal, a praxe é se alinhar a Fachin para legitimar as decisões em Curitiba, a favor da operação Lava Jato. Na votação no plenário, a ministra manteve seu posicionamento de que os delatores devem falar primeiro, já determinado pela Segunda Turma.
Pode-se falar, agora, de uma maioria no STF crítica à Lava-Jato?
Mário Papaterra discorda. “Tenho absoluta certeza de que a ministra Carmem Lúcia votou juridicamente, de acordo com sua consciência. Creio que, no caso concreto, entendeu ter havido prejuízo para a defesa de Bendine”, afirma.
Renato Stanziola avalia ser temeroso classificar, momentaneamente, uma formação de maioria no STF crítica à Lava Jato. Para ele, o importante é que a Lava Jato não é isenta de críticas e não deveria ser tida como intangível da forma como acontecia. “Essa operação não é a única forma de se discutir seriamente sobre controle da corrupção. Os fins não justificam os meios”, declara.
Já Fernando Castelo Branco diz que as violações e as interceptações feitas pelo Intercept reforçam, mais uma vez, uma reiterada ação ilegal por parte da Lava Jato. Nesse sentido, ele acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) vêm mostrando sinais claros da não aceitação dessa violação do processo legal. “[A decisão da ministra] gerou surpresa, mas, diante desses fatos, não há argumentos. Cabe ao Supremo, como fez de uma maneira taxativa, deixar um recado de que não se pode violar a Constituição Federal”, enfatiza.
Fernando Castelo Branco:
Advogado criminal. É professor de Direito Processual Penal e mestre em Direito Processual Penal. Diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA e foi Coordenador de seu Comitê Penal.
Mário Papaterra:
Procurador de Justiça e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
Renato Stanziola:
Graduado em direito, Mestre em Direito Constitucional e Direito Processual Penal. Doutorando em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo. Foi Diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM.