Avaliação defendida pelos candidatos forja situação ilícita para testar conduta moral do servidor

Folha de São Paulo

27.out.2018

Ana Luiza Albuquerque – Rio de Janeiro

Um agente do estado, com a anuência do Ministério Público e do Judiciário, forja uma situação ilícita, como o oferecimento de propina, para testar a conduta moral de outro servidor público, que não sabe que está sendo avaliado. Se reprovar no teste, o servidor responderá a um processo administrativo e poderá ser exonerado.

Essa é uma das propostas de combate à corrupção de ambos os candidatos ao Governo do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) e Eduardo Paes (DEM).

O chamado “teste de integridade” foi motivo de polêmica há alguns anos, por figurar entre as Dez Medidas de Combate à Corrupção do MPF (Ministério Público Federal). Em 2016, a Câmara dos Deputados excluiu a proposta do pacote anticorrupção que seguiu para o Senado.

À época, o mecanismo foi muito criticado entre especialistas do direito. Figuras públicas como Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), e o delegado Márcio Anselmo, que atuou na Lava Jato, se posicionaram contra a medida.

Os críticos afirmam que o teste de integridade é inconstitucional, afronta a súmula 145 do STF (“não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”) e desmoraliza o Estado.

Tanto Witzel como Paes preveem a aprovação de uma lei na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para aplicar o instrumento.

Em entrevista, o candidato do DEM reconheceu que a punição ao servidor que aceita a vantagem ilícita fictícia pode ser limitada, mas disse que o mais importante é a demissão do funcionário.

“Legalmente pode não dar em nada, mas, pelo menos, a gente bota o cara para correr. Se alguém oferece e o outro aceita, não é armação”, disse.

Bruno Calabrich, procurador regional da República, admite que a jurisprudência brasileira tornaria difícil a punição do servidor no âmbito penal, mas defende sanções administrativas e cíveis para o funcionário reprovado.

O procurador afirma que o projeto prevê rigoroso controle e direito ao contraditório, ou seja, o servidor poderia recorrer à Justiça caso se sentisse lesado. Segundo ele, o Ministério Público seria intimado previamente para participar da simulação, gravada do início ao fim.

Calabrich diz que o instrumento pode ser efetivo para avaliar policiais em estágio probatório ou aqueles sobre os quais há suspeita de recebimento de propina.

“Não é um instrumento criado agora, ele vem sendo aplicado em outros países com sucesso. A ONU e a Transparência Internacional recomendam. Muita gente critica o teste sem conhecer, sem ter lido a proposta”, afirma.

Claudio Pereira, professor de direito constitucional da PUC-SP, está entre os críticos da medida.

Ele afirma que qualquer prova produzida em um teste de integridade é ilícita e que o estado acaba sendo tão ou mais criminoso do que o servidor que falha na avaliação.

“Quando o estado se permite utilizar de meios criminosos para combater o crime, ele perde sua superioridade moral em relação ao criminoso. Se você chega ao ponto em que a única solução para o estado é criar mecanismos ilícitos, esse estado está falido. Vai contra o modelo do Estado democrático de Direito”, diz.

O professor afirma que países como EUA e Austrália, que aplicam o teste, têm a negociação como prática em qualquer situação, diferentemente do Brasil. “[Esse país] Adota uma negociação desde um caso de estupro e morte até um caso de roubo de bala, para ele é tudo custo benefício. Um país que negocia a alma com o diabo faz esse tipo de negociação, nós não somos assim. Quando faz isso, perde a moral do Estado.”

O advogado criminalista Fernando Castelo Branco, coordenador de pós-graduação do IDP (Instituto de Direito Público), concorda que a jurisprudência brasileira não admite este tipo de teste.

“É uma atrocidade jurídica sob qualquer ângulo que se veja a questão, não só o criminal. O Supremo já se manifestou diversas vezes, temos um sólido entendimento jurisprudencial que isso é um crime impossível”, diz.

Para Castelo Branco, o teste desmoraliza o estado. O especialista compara a avaliação a uma “pegadinha do Faustão”. “Quem garante que o investigador não deveria passar também pelo teste de integridade?”, questiona.