Decisão do STF de remover da competência do juiz federal o conteúdo dos depoimentos dos funcionários da empreiteira foi tomada na terça-feira (24)

25/04/2018

Por Débora Ely – GAÚCHAZH

 

Diante do entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de remover da competência de Sergio Moro o conteúdo da delação da Odebrecht, criminalistas evitam tecer certezas sobre o futuro dos processos de Luiz Inácio Lula da Silva. Porém, sugerem possíveis desdobramentos nas ações penais – desde o esvaziamento das investigações contra o  ex-presidente na 13ª Vera Federal de Curitiba até eventual anulação da condenação do caso do triplex de Guarujá (SP).

— A decisão abre margem para uma discussão sobre o deslocamento da ação penal e a validade das provas. Claramente, está se formando um pacto para colocar um ponto final na Lava-Jato — analisa um advogado com atuação na operação.

Especialistas avaliam que, ao deliberarem pela transferência dos depoimentos da empreiteira para a Justiça Federal de São Paulo, os magistrados pavimentaram o caminho para que os processos que o ex-presidente responde em Curitiba também acabem levados para o novo juízo. Assim, Lula ainda se veria livre do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), com sede em Porto Alegre, responsável pelo aumento de sua pena e pelo aval a sua ordem de prisão.

Competência de Moro já foi questionada

Além do caso do triplex, tramitam contra o petista em Curitiba as investigações sobre o sítio de Atibaia (SP) e a compra de um terreno para o Instituto Lula, transação não efetivada. A mudança de competência não é automática, mas, segundo criminalistas, certamente será buscada pela defesa.

— Sucessivos recursos buscaram a incompetência da 13ª Vara Federal, mas nenhum foi bem-sucedido. Será avaliado caso a caso — pondera Celso Vilardi, professor de Direito Penal na Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP).

Um impacto ainda mais profundo baseado no ato da 2ª Turma estaria na ação penal sobre o triplex, que levou Lula à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em cortes superiores, os advogados do petista argumentam que o próprio Moro reconheceu a ausência de ligação entre a reforma no imóvel e a corrupção na Petrobras. Agora, se esse entendimento se sobrepuser, poderia ocorrer até mesmo a anulação da sentença.

— Se a prova foi produzida por um juiz de tribunal incompetente (sem competência sobre o processo), efetivamente, a condenação resultante pode ser anulada — acrescenta Vilardi.

1)  A decisão da 2ª Turma do STF pode retirar os processos de Lula da competência de Moro?

Sim. Ao entenderem que os depoimentos da colaboração da Odebrecht que envolvem o ex-presidente não estão relacionados aos desvios na Petrobras, os ministros da 2ª Turma abriram brecha para que os demais processos de Lula saiam da alçada de Moro e, consequentemente, do TRF4.

Esse afastamento ainda teria de ser solicitado pelos advogados do petista. Caso venha a ocorrer e seja acatado, as ações seguiriam para a Justiça Federal de São Paulo.

— Porém, o fato de eventuais processos deixarem a competência de Curitiba não significa impunidade — calcula o criminalista Frederico Crissiúma de Figueiredo.

Nesta hipótese, a Justiça paulista teria de abrir inquérito para investigar os relatos que incriminam Lula. Por sua vez, os advogados poderiam sustentar que, pela lei, ninguém pode responder pelo mesmo fato em dois juízos distintos.

— Se ocorrem modificações de competências, podem ocorrer também nulidades nos julgamentos. Concretamente, Lula poderia, sim, ser retirado da competência de Moro e do TRF4 — afirma Celso Vilardi, professor da FGV-SP.

2)  O entendimento pode anular a condenação de Lula no caso do triplex?

Em tese, sim. No entanto, a possibilidade provoca divergências. Em cortes superiores, a defesa de Lula sustenta que Moro deveria ser afastado do processo do imóvel no Guarujá, uma vez que o caso não estaria relacionado a desvios na Petrobras. Com a decisão da 2ª Turma, especula-se que a análise desses recursos pode ganhar novos contornos, demonstrando que o Moro também não seria o juiz natural na ação do triplex.

— A partir desse novo entendimento, o Supremo pode dar um F5 (referência à tecla de atualizar no teclado do computador) no processo do triplex para verificar se os fatos que levaram à fixação da competência em Curitiba são os mesmos que levaram ao deslocamento para São Paulo. Neste caso, a defesa poderia submeter ao STF que o caso deveria ter tramitado em São Paulo — diz um criminalista com experiência na Lava-Jato.

Já o advogado Frederico Crissiúma de Figueiredo observa a hipótese com cautela:

— Há decisões reiteradas reconhecendo a competência da 13ª Vara. Essa questão pode até estar sendo enfrentada, mas já existiram todos os recursos em todas as instâncias possíveis. Não acredito na possibilidade de revés.

3)  A decisão pode levar ao questionamento de provas?

Sim. Isso ocorre porque, se as evidências foram produzidas pelo juiz incompetente ao caso, podem ser anuladas.

— Há uma abertura enorme para anular todo o processo do sítio de Atibaia, uma vez que a condução da ação penal teria sido realizada pelo juízo incompetente. Consequentemente, as provas obtidas seriam consideradas nulas por derivação — indica um criminalista.

Porém, para professor da FGV-SP Celso Vilardi, a discussão é polêmica, porque a própria delação da Odebrecht passou pela homologação do Supremo.

— Então, não se poderia dizer que a mudança de juízo de Curitiba para São Paulo anularia o acordo. Assim, as provas estariam preservadas.

Já o criminalista Frederico Crissiúma de Figueiredo avalia que os crimes investigados seriam aceitos na Justiça Federal de São Paulo, que receberia a investigação no estado em que está.

— Não estamos falando de uma prescrição iminente — conclui Figueiredo.