Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

23/03/2018

 

O interesse nacional em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem contribuído para dar destaque a um “racha antigo” entre os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e suas duas turmas, principalmente no que diz respeito à prisão após segunda instância. A opinião é de especialistas ouvidos pelo UOL.

Condenado em segunda instância no caso do tríplex, Lula tenta evitar sua prisão por meio de um recurso chamado de habeas corpus no STF. Na noite de ontem (22), a Corte decidiu suspender o julgamento do recurso.

Também por determinação dos ministros do Supremo, Lula não poderá ser preso até que seja concluído o julgamento no STF, que será retomado em duas semanas, no dia 4 de abril. A sessão de ontem foi suspensa pelo avançar do horário – já passava das 18h30 quando a Corte chegou à decisão preliminar de que o habeas corpus poderia ser analisado pelos ministros.

Para Celso Vilardi, professor de direito penal da FGV (Fundação Getúlio Vargas), “não é o racha que está aumentando”. “É que ele está sendo exposto em nível nacional, dado o interesse no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula”, afirmou.

“Essa questão da prisão após segunda instância está tão indefinida no Supremo que, efetivamente, você tem liminares de alguns ministros evitando prisões [após condenação em segunda instância] e negativas de liminares de outros ministros permitindo a prisão”, disse.

Além disso, na última quarta-feira (20), os ministros Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso protagonizaram um bate-boca que fez a presidente Cármen Lúcia suspender a sessão do STF. A discussão começou justamente por uma crítica de Gilmar a Barroso por este ter aprovado na 1ª Turma, e não no plenário, sua tese de que a realização de um aborto até o terceiro mês de gravidez não constitui crime.

Para a professora de direito penal do IDP-São Paulo, Fernanda de Almeida Carneiro, essas divergências trazem “uma instabilidade jurídica muito grande”. “Parece que um lado não aceita muito as opiniões e os argumentos do outro”, afirmou.

Na análise de Carneiro, ministros de uma mesma Turma acabam, normalmente, debatendo e convivendo mais entre si. “Naturalmente você tem um contato maior com aquelas pessoas, que acabam debatendo, chegando a uma conclusão comum entre elas”, disse.

A “imprevisibilidade”, segundo os especialistas, se destaca ainda mais quando o Supremo julga um caso individual, como é o caso do habeas corpus de Lula –e que, portanto, valeria apenas para o ex-presidente.

Atualmente, alvos da Lava Jato têm sido presos após o esgotamento de recursos na segunda instância, com base em uma decisão de 2016 do STF. A prisão em 2ª instância ameaça, hoje, 11 réus da Lava Jato: entre eles, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PP, João Cláudio Genu.

“É lógico que os efeitos de um habeas corpus concedido a Lula podem ser usados em outros pedidos, outra pessoa que estiver na mesma situação pode eventualmente pleitear também a concessão da ordem, usando como argumento essa decisão. Mas esse julgamento se restringe à pessoa do Lula”, explicou Carneiro.

A aceitação de um pedido de habeas corpus nesses casos semelhantes continuaria, portanto, dependendo das interpretações dos magistrados.

É o contrário, apontam os especialistas, do que aconteceria com o julgamento de duas ADCs (Ações Diretas de constitucionalidade), que aguardam inclusão na pauta do Supremo, e que ampliariam a jurisprudência a todos os cidadãos.

As duas ADCs foram abertas pelo PEN (Partido Ecológico Nacional) e pelo Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em 2016, pouco após o STF ter firmado entendimento sobre a prisão após segunda instância.

O PEN e a OAB sustentam que há “controvérsia jurídica relevante” acerca da norma processual”. Para a Ordem dos Advogados, a Corte “criou” um novo sentido para a expressão “trânsito em julgado”, o que aniquilaria a garantia de presunção de inocência.

“O Supremo tem que resolver essa questão de uma vez por todas e os ministros têm que cumprir a decisão do pleno. Para isso, o pleno tem que se manifestar”, disse Vilardi, que lembrou ainda que, segundo o regimento do Supremo, é responsabilidade de todo o plenário decidir sobre determinado tema quando acontece divisão entre as turmas.

“Esse foi o fundamento do ministro Fachin para colocar o caso a julgamento no pleno”, disse. “A surpresa foi que esse julgamento foi estendido por conta de uma questão preliminar, que acho que não tinha nem cabimento ser discutida hoje, uma vez que o próprio ministro Fachin levou a pleno para discutir o mérito”.

Já Fernando Castelo Branco, professor de direito penal do IDP-São Paulo, considerou que o procedimento foi “correto”.

“É um procedimento natural: primeiro conhecer do cabimento do recurso para depois, aceitando o cabimento do recurso, passar pra uma segunda fase de análise”, disse.

Julgamento “congelado”

O último recurso de Lula no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que o condenou a 12 anos e 1 mês de prisão, será analisado na próxima segunda (26). Mas, com a decisão de ontem do STF, mesmo com a negativa desse recurso, Lula não poderá ainda começar a cumprir a pena imposta a ele.

Para Vilardi, o procedimento de “congelar” o julgamento, impedindo o ex-presidente de ser preso até que seja realizada a próxima sessão da Corte, não é anormal.

“Sendo que esse julgamento foi adiado por culpa exclusiva do plenário do Supremo e não da defesa, é natural que ele seja interrompido e que se aguarde o julgamento do Supremo para prender ou não”, disse.