Condenado não pode arcar com omissão do Estado, diz STF

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal definem critérios para progressão de pena por falta de vagas em prisões; especialistas avaliam que decisão ‘é adequada’ ante superpopulação carcerária no País

Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fausto Macedo

12 Maio 2016 

 

Seguindo entendimento da Procuradoria-Geral da República, o Supremo Tribunal Federal definiu critérios para a progressão de pena por falta de vagas em prisões. Por maioria, os ministros concluíram o julgamento do Recurso Extraordinário 641320 acompanhando o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Com repercussão geral reconhecida, o STF firmou a tese de que o preso com direito de cumprir pena ’em regime menos gravoso’ não pode arcar com a omissão do Estado em relação a presídios.

Na prática, o condenado que progride para o regime semiaberto, mas não encontra vaga nesse tipo específico de estabelecimento prisional, poderá cumprir o restante da pena no regime aberto, sem precisar esperar atrás das grades.

O entendimento será aplicado em processos semelhantes.

Especialistas avaliam a decisão da Corte como adequada, ‘tendo em vista a superpopulação carcerária no país e a dignidade de quem já cumpriu a pena prevista pela legislação’.

Gustavo Neves Forte, criminalista e coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo, considera que o Estado não pode, em razão de sua ineficiência em oferecer estabelecimento prisional adequado, impor regime de cumprimento de pena mais severo do que aquele ao qual o condenado tem direito, ‘sob pena de ofensa a princípios e garantias constitucionais’.

“Com esta decisão, o Supremo fixa orientação, em caso com repercussão geral reconhecida, de que, diante do déficit de vagas, deve ser autorizada a progressão antecipada de regime ou mesmo o cumprimento de pena em liberdade”, assinala Neves Forte.

A solução encontrada pelo Supremo não prejudica o objetivo da pena, que é o de punir, diz o advogado Guilherme Thompson de Paula, do Nelson Wilians e Advogados Associados. “Devem prevalecer no caso concreto os direitos e garantias fundamentais do apenado, desde que o abrandamento do regime ou o cumprimento da pena em caráter domiciliar não impeça o objetivo da pena: o caráter punitivo e ressocializador”, afirma.

Thompson de Paula lembra que o abrandamento ocasionará uma redução de custos e viabilizará um aumento de vagas para apenados em regimes mais severos.

Para o criminalista Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados, com a regulamentação da matéria pelo Supremo, os juízes já podem deferir o benefício, aplicando medidas alternativas à prisão, o que já deve desafogar em alguma medida as penitenciárias. “Por diversas vezes foram feitos levantamentos e sabe-se que a defasagem de vagas, por exemplo, para cumprimento da pena no regime intermediário, que é o semiaberto, é enorme.”

Bialski anota que em São Paulo ‘aquele que deveria estar no semiaberto espera mais de seis meses para começar a cumprir a imposição, permanecendo indevidamente no regime fechado por todo esse período’.

“A população carcerária brasileira é superior a 548 mil pessoas, segundo dados do INFOPEN atualizados em dezembro do ano passado”, informa Daniel Bialski. “Desse total, 74.647 estão no regime semiaberto. No entanto, a capacidade das 74 colônias agrícolas e industriais do país é de 51.492 vagas, o que mostra um déficit de 23.155 vagas, o que provoca agressão à dignidade dos apenados.”

O Supremo ainda deve votar uma Súmula Vinculante e colocar uma pedra definitivamente sobre o assunto, obrigando os órgãos do Executivo e do Judiciário a cumprir o entendimento, como lembra Francisco de Paula Bernardes Jr., sócio do escritório Guillon & Bernardes Jr. Advogados.

“O Supremo pacificou que, quando o Estado não disponibiliza ao réu, condenado a cumprir pena em regime semiaberto, vaga em estabelecimento adequado, os princípios constitucionais da individualização e da proporcionalidade das penas determinam que se estabeleça o cumprimento da pena em regime mais benéfico. Por isso, agora é necessária a rápida aprovação da Proposta de Súmula Vinculante de número 57, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso”, alerta.