Gustavo Neves Forte*. 25 Maio 2017 | 05h00. Gustavo Neves Forte. Foto: José Luis da Conceição/OABSP.

Nos acordos de colaboração, o Ministério Público pode muito, mas não pode tudo. O limite é a lei. A Lei 12.850/12, que disciplina a delação premiada, autoriza a imunidade somente para casos excepcionais, apontando como requisitos essenciais que o delator seja a primeira pessoa a colaborar e que não seja o líder da organização criminosa. A partir do momento em que o colaborador notadamente não preencha qualquer um desses requisitos, não cabe ao Ministério Público fazer juízo de valor sobre a conveniência e oportunidade da delação que tenha como contrapartida a oferta de imunidade, uma vez que isso não é uma possibilidade legal.

Os acordos de colaboração não são meros “contratos entre partes”, nos quais tudo – ou quase tudo – é possível, desde que haja anuência dos signatários. Há grande equívoco por quem defende essa tese, na medida em que erroneamente aplica institutos próprios de Direito Privado a uma relação de Direito Público. Na colaboração premiada, há limites legais para ambas as partes: o colaborador não pode ser obrigado a renunciar a diversos direitos individuais, assim como o Ministério Público não possui autonomia plena para transacionar imposições legais. Uma dessas imposições da qual a acusação não pode abrir mão é o direito da União ao confisco do produto ou dos proventos do crime. Ou seja, por mais convidativa que seja a delação, não é lícito permitir que o colaborador permaneça na posse de valores auferidos de forma confessadamente criminosa.

Além disso, os órgãos de investigação não podem ficar reféns dos possíveis colaboradores: se a contrapartida pretendida pelo delator é excessiva, a colaboração deve simplesmente ser negada. A pessoa que busca a delação está inequivocamente atemorizada pela possibilidade de que seus crimes sejam descobertos e de que responda integralmente por eles, ainda mais quando se trata de pessoas que já são alvo de inúmeras investigações. Argumentar que, sem a colaboração, os fatos a serem delatados jamais seriam descobertos equivale a declarar a ineficiência do Estado e de seus órgãos de investigação e fiscalização.

A colaboração premiada é um instrumento em formação, que já se mostrou eficiente para a elucidação, repressão e prevenção de crimes graves, mormente aqueles envolvendo estruturas organizacionais complexas. O árduo trabalho que vem sendo realizado pela força-tarefa da Operação Lava Jato tem sido essencial para a formatação do instituto.

Por isso mesmo, é hora de coibir excessos e equívocos. Devemos lembrar que a colaboração premiada tem um pressuposto básico: o colaborador é um criminoso. Um criminoso que colabora com a Justiça, confessando seus crimes e expondo a estrutura da organização criminosa em troca de benefícios, mas, ainda assim, um criminoso. A colaboração que proponha benefícios extraordinários a um delator responsável por um sem número de crimes da mais alta gravidade, sem qualquer restrição e permitindo que usufrua dos proventos da prática delitiva, não se presta à finalidade repressiva e preventiva a que se propõe. Ao contrário, ela representa uma mensagem de impunidade e um convite à prática criminosa, consubstanciado no velho jargão “o crime compensa”.

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