PARECER JURÍDICO

CONSULTA SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE, LEGALIDADE, CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 141/15

CONSULENTE: INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO – IASP

São Paulo, 2015

1 – Delimitação do Parecer Jurídico

Trata-se de parecer jurídico em resposta à consulta formulada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, por intermédio de seu Presidente, o eminente Advogado José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, sobre a constitucionalidade, legalidade, conveniência e oportunidade do Projeto de Lei do Senado nº 141/15.

De autoria do Senador Cássio Cunha Lima (PSDB/PB), a proposição busca alterar a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), tipificando penalmente[1] a) a violação de direitos ou prerrogativas do Advogado e b) o exercício ilegal da Advocacia; c) acrescentando duas novas condutas ao rol das infrações disciplinares previstas no artigo 34 do EAOAB; e d) dispondo sobre regras procedimentais relativas aos processos administrativos em trâmite perante a Ordem dos Advogados do Brasil.

Em que pese a importância das quatro propostas, o presente parecer abordará as mais relevantes, tendo em vista seus reflexos penais: a criminalização da violação de direitos ou prerrogativas do Advogado e do exercício ilegal da Advocacia.

Para que a matéria seja devidamente contextualizada, teceremos breves considerações acerca da indispensabilidade do Advogado à administração da justiça e da necessidade do fortalecimento de prerrogativas profissionais que garantam o exercício da defesa plena do constituinte, com independência e autonomia.

Essas prerrogativas, que não se confundem com privilégios, perpassam o interesse individual do Advogado, representando a garantia do múnus público que reveste sua atividade profissional.

Todavia, ao que se constata, tais garantias são diuturnamente violadas, comprometendo os direitos correspondentes às liberdades individuais confiadas aos Advogados por seus clientes.

Também não é incomum que pessoas inabilitadas exerçam ilegalmente a profissão, prejudicando, muitas vezes, de forma irreparável, aquele que busca assessoramento jurídico para suas demandas.

A proposta de alteração legislativa anseia, precipuamente, coibir eficazmente tais práticas, tendo em vista que os mecanismos legais atualmente disponíveis em nosso ordenamento jurídico mostram-se insuficientes.

Superadas as premissas necessárias, passaremos à análise da constitucionalidade – formal e material – e da legalidade do Projeto, refletindo, ainda, acerca de sua conveniência e oportunidade.

 

2 – Da Advocacia

A Constituição Federal de 1988 assegurou, após décadas de regime ditatorial, garantias fundamentais que, juntamente com os direitos civis e políticos, consolidaram o Estado democrático de Direito.

O valoroso ofício da Advocacia mereceu especial atenção de nossa Carta Magna:

“Art. 133 – O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

O texto constitucional, ao regrar a indispensabilidade do Advogado, reconheceu seu papel fundamental junto à sociedade, com encargo indeclinável de contribuir para a efetiva realização da justiça:

“O princípio da indispensabilidade não foi posto na Constituição como favor corporativo aos advogados ou para reserva de mercado profissional. Sua ratio é de evidente ordem pública e de relevante interesse social, como instrumento de garantia da cidadania. É garantia da parte e não do profissional” (LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e a OAB, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 42).

Isso porque as premissas constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal só se fazem praticáveis caso seja oferecido ao cidadão o direito de ter, em sua defesa, profissional habilitado, que traduza e postule seu interesse de forma técnica e científica, qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação:

“Nem se diga que o advogado é desnecessário, pois o cidadão poderia exercer, por si só, suas faculdades jurídicas. A complexidade do Direito contemporâneo é imensa e a autodefesa estaria fadada ao fracasso” (MAMEDE, Gladson. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 14).

Sem a presença do Advogado, tecnicamente capacitado e gozando do pleno exercício de suas garantias profissionais, os aludidos princípios se esvaem, ensejando a transgressão da própria Constituição Federal.

Da mesma forma, a inviolabilidade do Advogado por seus atos e manifestações não resguarda apenas o profissional, mas, sobretudo, a parte defendida:

“Equivoca-se quem pensa que a inviolabilidade é privilégio do profissional. Na verdade, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões de esfera íntima, de natureza conflitiva e não raro objeto de reivindicação e até agressiva cobiça alheia, que precisam ser resguardados e protegidos de maneira qualificada” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, v. 4, p. 251).

É evidente, por outro lado, que referida inviolabilidade não é absoluta, amparando o profissional apenas em relação aos atos e manifestações no exercício de seu ofício. Mesmo assim, importante lembrar que o Advogado se submete aos deveres regrados no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB e no Código de Ética e Disciplina – CED da Entidade[2].

A relevância do Advogado foi sintetizada em lapidar voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal:

“O Advogado – ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado – converte a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas – legais ou constitucionais – outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos” (Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 23576, DJ 07.12.1999).

Os Advogados, como entes indispensáveis à administração da justiça, exercem, por meio de elevada função pública, papel de guardiões do próprio Estado democrático de Direito, garantindo a mais ampla e irrestrita defesa da cidadania, da moralidade pública e da paz social, conforme também preceitua o Código de Ética e Disciplina da OAB:

“Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.”

Ressalte-se, por derradeiro, de que nada valem as garantias legais para o pleno exercício da Advocacia, se o Advogado, o verdadeiro Advogado, não for capaz de se insurgir, com altivez e coragem, contra as violações de seus direitos e prerrogativas profissionais:

“Ninguém, jamais, ousou, honestamente, refutar que a advocacia (…) é a profissão da coragem, da perseverança e da fé. A covardia, a inconstância e a descrença representam a negação da advocacia, que Voltaire, sem ser advogado, chamou de ‘a mais bela de todas as profissões’. (…) Nada vence a abnegação do verdadeiro advogado, que não fraqueja nem se verga diante de qualquer ameaça ou violência, por mais brutais que sejam. Por isso, a advocacia (…), neste sentido, além de ser a profissão da coragem, da perseverança e da fé, é também a profissão do martírio. Quem não sentir forças para enfrentá-la com altivez, que escolha outra faina menos vulnerável às arremetidas do sofrimento” (CASTELO BRANCO, Tales. Da prisão em flagrante: doutrina, legislação, jurisprudência, postulação em casos concretos, 5ª ed. rev., aum. e atual., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 198/199).

 

3 – Dos Direitos e Prerrogativas do Advogado

Ante sua inquestionável importância, a legislação infraconstitucional atribuiu à Advocacia determinados direitos a fim de assegurar condições ao pleno exercício de sua função.

“Estes direitos não lhe são conferidos na condição de pessoas físicas, comuns, mas na especial condição de agente público (…). Os Direitos conferidos aos Advogados, antes de serem privilégios, são uma responsabilidade (…). Este (o Advogado), como elemento inquestionável à realização da justiça não tem a possibilidade de escolher se vai ou não exercer sua prerrogativa, uma vez que, numa situação prática de desrespeito a qualquer destas, ele tem verdadeira obrigação de se insurgir. É, pois, inquestionável DEVER!!” (RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da Advocacia – Comentários e Jurisprudência Selecionada, 6ª ed. rev. E ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 91/92. Destaques do original).

Tais prerrogativas – direitos especiais, inerentes a cargo ou profissão –, portanto, não se confundem com privilégios de uma classe profissional, pois são garantias da própria sociedade:

“As prerrogativas não são privilégios no sentido de regalias e vantagens discriminatórias ou elitistas. Constituem, sim, valores sem os quais a atuação do advogado não lograria atingir os seus objetivos. É da natureza das divergências de interesses o potencial de litigiosidade. Os conflitos legais a serem dirimidos entre as partes muito dependem de direitos e prerrogativas assegurados aos seus respectivos patronos, para o acesso livre e amplo nos órgãos públicos e privados, para o deslinde, dentro dos princípios lícitos e ilícitos das demandas, em nome do interesse da própria sociedade” (FARAH, Elias. Advocacia no Novo Milênio, São Paulo: Lex Editora S.A., 2009, p. 20).

Embora se traduzam em normas que asseguram a atividade profissional, as prerrogativas transcendem o interesse individual do Advogado, alcançando todo aquele que busca assistência jurídica.

Dentre os direitos previstos no artigo 7º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB[3], realçamos, apenas a título exemplificativo, alguns, invocados no dia a dia da atividade advocatícia: a garantia de comunicação do Advogado com seus clientes, pessoal e reservadamente, quando estes se acharem presos; a inviolabilidade de seu escritório; o livre ingresso em sessões dos tribunais, salas de audiências, secretarias, cartórios, delegacias e prisões, dirigindo-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho; o exame dos autos de processos judiciais ou administrativos, ou de inquéritos policiais, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias.

Tais direitos, como se vê, apenas asseguram que a defesa do constituinte – pessoa física ou jurídica – seja feita com autonomia, independência e em situação de igualdade com o aparato coercitivo do Estado e demais entes litigantes.

 

4 – Da Violação dos Direitos e Prerrogativas do Advogado

Ainda que as prerrogativas profissionais sejam verdadeiros instrumentos do direito de defesa, indispensáveis à concretização da  justiça, sua violação é constante.

Destacam-se os mais rotineiros: Advogados presos ao insistirem em fazer valer as prerrogativas profissionais para defender seus clientes; invasões de escritórios sem o mandado que as autorizassem ou respaldadas por mandados judiciais expedidos ao arrepio da lei; a negativa, por parte de autoridades, de acesso aos autos de procedimentos das mais diversas naturezas, sem amparo legal; a quebra de sigilo da comunicação entre cliente e Advogado; dentre outros.

Em levantamento realizado sobre o tema, a Ordem dos Advogados do Brasil constatou que em São Paulo – Estado que concentra aproximadamente 50% dos profissionais em atuação no Brasil –, são instaurados, em média, 1.200 processos de violação de prerrogativas por ano[4].

Nos últimos três anos, a Seccional paulista expediu mais de 7.000 ofícios a autoridades e órgãos públicos acusados de desrespeitar as prerrogativas profissionais e registrou 230 pedidos de desagravo público[5], sendo 112 concedidos.

Embora os números apresentados causem espanto por sua magnitude, alguns argumentam que nosso ordenamento jurídico já dispõe de instrumentos suficientemente capazes de prevenir e reprimir aqueles que infringem os direitos e prerrogativas dos Advogados, em especial os previstos nos artigos 322[6] e 350[7] do Código Penal, e na Lei nº 4.898/65[8], que trata do crime de abuso de autoridade.

As medidas atualmente disponíveis para coibir tais práticas, contudo, não se mostram efetivas, já que, salvo raríssimas exceções, restam infrutíferas as tentativas de responsabilizar aqueles que violaram as prerrogativas dispensadas aos Advogados. A ausência de sanção eficaz contribui para que tais abusos sejam reiterados, desqualificando a profissão e, consequentemente, colocando em risco a realização da justiça.

Por estas razões, entendemos imperiosa a criação de reprimendas específicas, de índole criminal, para que a violação das garantias profissionais – que, antes de bandeiras da Advocacia, são de interesse de toda a sociedade – seja devidamente combatida e necessariamente punida.

Não olvidamos que a tendência atual é no sentido da descriminalização e despenalização de condutas[9], e que estaríamos adotando caminho inverso.

No entanto, conforme abalizado entendimento doutrinário:

“Recaindo o efeito da conduta numa determinada esfera de significado social relevante e vencida a satisfatoriedade de outras medidas compositivas do litígio, legitimado estaria – ainda que simbolicamente – o Direito Penal para intervir” (LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria Constitucional do Direito Penal, São Paulo: Editora RT, 2000, p. 631).

Sob esse aspecto, são desarrazoadas as críticas feitas à criminalização das condutas violadoras de direitos e prerrogativas profissionais dos Advogados[10].

Fracassadas as demais formas de punição, as prerrogativas profissionais, valioso instrumento do pleno exercício da cidadania, precisam contar com a tutela do Direito Penal para coibir as investidas atentatórias ao sagrado direito de defesa.

 

5 – Do Exercício Ilegal da Advocacia

Embora a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB desempenhe severo controle do exercício da profissão, por meio de rigorosos critérios éticos e disciplinares, sua atuação alcança apenas Advogados e Estagiários regularmente inscritos na Entidade[11].

Não é incomum, nos dias de hoje, que bacharéis, advogados estrangeiros e estudantes de Direito – ou, nos casos mais extremos, absolutos leigos nas ciências jurídicas ou Advogados suspensos do exercício profissional[12] – ultrapassem os limites de sua atuação, prestando serviços de assessoria e consultoria de maneira absolutamente ilícita.

O exercício profissional por pessoas tecnicamente inaptas, atuando como se Advogados habilitados fossem, é de indiscutível gravidade, trazendo incomensurável prejuízo à administração da justiça e, consequentemente, a toda sociedade. Assim, é interesse do Estado assegurar que determinadas profissões somente sejam exercidas por pessoas que preencham os requisitos e qualificações previstas em lei:

“A disciplina jurídica das profissões e bem assim êsse conjunto de normas que regulam o respectivo exercício e as condições necessárias para outorgar o direito de exercê-las encontra ampla razão do seu desenvolvimento particularizado no interêsse que tem o Estado de assegurar, em benefício da própria coletividade, que os titulares das mesmas profissões sejam moralmente dignos e tècnicamente idôneos para o desempenho de tais atividades” (FARIA, Bento de. Das Contravenções Penais, Rio de Janeiro: Record Editora, 1958, p. 159. Textual).

Todavia, ao contrário da “profissão de médico, dentista ou farmacêutico”, resguardadas por reprimenda penal própria para aqueles que as exerçam sem autorização legal[13], não há qualquer instrumento específico para proteger a classe dos Advogados.

A razão dessa justificável tutela especial às profissões diretamente vinculadas aos cuidados com a vida e a saúde humana deve ser equivalente à proteção dedicada à Advocacia, responsável pela salvaguarda da liberdade, igualdade, segurança e propriedade, que consubstanciam, também, direitos e garantias fundamentais assegurados por nossa Constituição Federal[14].

Embora o Projeto de Lei do Senado nº 236/12, que reforma o Código Penal, proponha a criminalização do exercício ilegal de qualquer profissão ou atividade econômica regulamentada[15], atualmente, o exercício ilegal da Advocacia é contextualizado na regra geral do defasado Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais). Referido diploma legal tipifica, em seu artigo 47, o exercício ilegal de profissão ou atividade, sem preencher as condições a que por lei está subordinado[16]:

“Em se tratando de exercício ilegal de profissão, ou atividade diferente da de médico, dentista ou farmacêutico, aplica-se o art. 47 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/41)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1192).

Evidente o desequilíbrio de bens juridicamente tutelados ao se cominar a ínfima pena de prisão simples, “de quinze dias a três meses, ou multa”, ao exercício ilegal da Advocacia, ao passo que aquele que exerce ilegalmente as funções de médico, dentista ou farmacêutico – também de irrefutável relevância – seja apenado com “detenção de seis meses a dois anos”.

Beccaria já sustentava, no século XVIII, a necessidade de haver proporção entre a gravidade dos delitos e as penas a eles cominadas:

Supondo-se a necessidade da reunião dos homens em sociedade, mediante convenções estabelecidas pelos interesses opostos de cada particular, achar-se-á uma progressão de crimes, dos quais o maior será aquele que tende à destruição da própria sociedade. Os menores delitos serão as pequenas ofensas feitas aos particulares. Entre esses dois extremos estarão compreendidos todos os atos opostos ao bem público, desde o mais criminoso até ao menos passível de culpa. Se os cálculos exatos pudessem aplicar-se a todas as combinações obscuras que fazem os homens agir, seria mister procurar e fixar uma progressão de penas correspondente à progressão dos crimes. O quadro dessas duas progressões seria a medida da liberdade ou da escravidão da humanidade ou da maldade de cada nação. Bastará, contudo, que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os menores castigos aos maiores crimes” (BONESANA, Cesare – Marquês de Beccaria, Dos Delitos e Das Penas, São Paulo: Atena Editora, 1954, p. 123).

O exercício da Advocacia, constitucionalmente reconhecido como atividade indispensável à administração da justiça, deve receber, na condição de bem juridicamente tutelado, tratamento compatível com seu valor:

“O legislador ordinário deve sempre ter em conta as diretrizes contidas na Constituição e os valores nela consagrados para definir os bens jurídicos, em razão do caráter da tutela penal (…). Encontram-se, portanto, na norma constitucional, as linhas substanciais prioritárias para a incriminação ou não de condutas” (PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição, 3ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 92).

A violação do exercício da Advocacia consubstancia violação, muitas vezes irreparável, dos interesses daqueles que buscam assistência jurídica na defesa de seus direitos – garantia de cunho constitucional –, comprometendo a correta administração da justiça.

 

6 – Do Projeto de Lei do Senado nº 141/15

Feitas as considerações necessárias, passamos à descrição do Projeto de Lei do Senado nº 141/15, perquirindo, em seguida, sua constitucionalidade – formal e material – e legalidade, bem como os critérios de conveniência e oportunidade.

A principal proposta – escopo deste parecer – é a inclusão, no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB, do Capítulo X, intitulado “Dos Crimes”, tipificando penalmente[17] a violação de direitos ou prerrogativas do Advogado (artigo 43-A[18]) e o exercício ilegal da Advocacia (artigo 43-B[19]), puníveis também na modalidade culposa.

Como desdobramento natural das duas novas normas penais incriminadoras, surgem, no mesmo Projeto, regras processuais penais: na hipótese de violação de direitos ou prerrogativas, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, segundo a proposição em comento, terá legitimidade para requisitar a instauração de persecução penal e diligências em fase investigativa, requerer sua admissão como assistente do Ministério Público em qualquer fase da persecução, bem como intentar ação penal privada subsidiária. Recebendo promoção de arquivamento, o juiz deverá, ainda, franquear manifestação à OAB para que requeira remessa dos autos ao Procurador-Geral, nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal, ou assuma a titularidade da persecução penal, caso discorde de eventual pedido de arquivamento por parte da promotoria[20].

*          *          *

Embora, repita-se, não seja o escopo do parecer analisar as demais alterações sugeridas – que ultrapassam a esfera penal –, cumpre consignar que, dentre elas, está o acréscimo, ao rol das infrações disciplinares previstas no artigo 34 do EAOAB, de duas novas condutas, punindo o profissional que, exercendo cargo ou função em qualquer órgão da OAB, descumpra, com leniência, imprudência, imperícia ou negligência (inciso XXX[21]), ou de forma dolosa (inciso XXXI[22]) o seu dever. Tais infrações seriam punidas com censura[23] e exclusão[24], respectivamente.

Por fim, o Projeto modifica os artigos 43 e 69 do EAOAB, estabelecendo regras procedimentais relativas à suspensão de prazo prescricional do processo administrativo[25], notificação das partes[26], nomeação de defensor dativo e suspensão do curso do procedimento[27], produção antecipada de provas[28] e declaração de nulidade de ato processual para os processos administrativos em trâmite perante a OAB[29].

 

7 – Da Constitucionalidade Formal do PLS Nº 141/15

Ao analisar a constitucionalidade de diploma normativo torna-se imprescindível verificar, inicialmente, se foram observados os princípios de ordem técnica e procedimental, bem como as regras de competência.

A norma que observa in totum o processo legislativo[30] (iniciativa, deliberação, votação, sanção ou veto, promulgação e publicação) ostenta os atributos inerentes à constitucionalidade formal:

“O respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas é um dogma corolário à observância do princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente, uma vez que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas do processo legislativo constitucional, determinando, desta forma, a Carta Magna, quais os órgãos e quais os procedimentos de criação das normas gerais que determinam, como ressalvado por Kelsen ‘não só os órgãos judiciais e administrativos, mas também os conteúdos das normas individuais, as decisões judiciais e os atos administrativos que devem emanar dos órgãos aplicadores do direito’. O desrespeito às normas do processo legislativo constitucionalmente previstas acarretará a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo método concentrado” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 19ª edição, São Paulo: Editora Atlas S/A, 2006, p. 578).

A iniciativa, que deflagra o processo legislativo, é a faculdade conferida a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Poder Legislativo. Pode ser geral[31], parlamentar, extraparlamentar[32], concorrente, exclusiva[33] ou popular[34].

Na fase constitutiva, após análise do mérito e propositura de eventuais emendas, o projeto deve ser votado pela Casa Inicial e, posteriormente, pela Casa Revisora[35], por maioria simples dos votos, com a presença da maioria absoluta de seus membros[36].

Aprovado pelo Congresso Nacional e concluída a deliberação parlamentar, passa-se à fase da deliberação executiva, quando o Presidente da República pode sancioná-lo ou exercer sua prerrogativa de veto[37].

Finalmente, o processo legislativo chega ao fim com a fase complementar, formada pela promulgação – que firma a existência da lei – e a publicação – comunicando a todos o dever de cumpri-la.

No tocante ao Projeto de Lei do Senado nº 141/15, pelo estágio em que se encontra, podemos analisar apenas a constitucionalidade de sua fase embrionária, relacionada à iniciativa: tendo em vista tratar-se de matéria penal e processual penal, de competência privativa da União, a iniciativa pode partir de qualquer membro do Congresso Nacional, nos termos dos artigos 22, inciso I, 48 e 61 da Carta Magna. Assim, tendo o Senado Federal competência, conferida pela Constituição, para deflagrar o processo legislativo, o Projeto de Lei é formalmente constitucional.

Diante do exposto, não vislumbramos, até o momento, qualquer vício de natureza formal que possa macular a constitucionalidade do Projeto de Lei do Senado nº 141/15.

 

8 – Da Constitucionalidade Material e da Legalidade do PLS Nº 141/15

A análise da constitucionalidade material e da legalidade do Projeto de Lei do Senado nº 141/15 possibilitará verificar se o seu conteúdo está em conformidade com os ditames constitucionais e infraconstitucionais.

Neste sentido, algumas alterações ali propostas merecem especial atenção.

 

8.1 – Do Artigo 43-A

8.1.1 – Da Violação de “Direitos ou Prerrogativas do Advogado”

Em três momentos distintos o Projeto de Lei do Senado nº 141/15 refere-se à violação de “direitos ou prerrogativas do Advogado”, valendo-se da conjunção coordenativa “ou”:

  1. Logo em sua Ementa, ao sintetizar o conteúdo da lei, a fim de permitir, de modo imediato, o conhecimento da matéria: “tipificar penalmente a violação de direitos ou prerrogativas do Advogado”;
  2. Em seu artigo 2º, ao acrescentar o Capítulo X, à Lei nº906/94, com o nomen iuris: “Violação de Direitos ou Prerrogativas do Advogado”;
  3. E, finalmente, na norma penal incriminadora descrita no artigo 43-A: “Violar direito ou prerrogativa do Advogado, impedindo ou limitando o exercício da advocacia. Pena: detenção, de um a quatro anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.”

Inovando perigosamente, o Projeto de Lei cria alternatividade até então inexistente na Lei atual[38], tipificando a violação de direitos ou prerrogativas, como figuras distintas.

Na própria justificativa do Projeto, o legislador reconhece que a diferenciação entre as duas garantias foi proposital, “para que o desrespeito a ambos seja crime”[39].

No entanto, a larga margem de liberdade semântica da pretensa norma penal incriminadora, ao invés de servir à efetiva tutela do bem jurídico, torna seu alcance vago e impreciso, potencializando a consequente impunidade:

“Essa expansão do direito penal – muitas vezes determinada pela necessidade de responder imediatamente a processos de radicalização da insegurança social e rechaço aos riscos – leva à produção de tipos penais meramente simbólicos, ou seja, à criação de figuras penais atécnicas (…) que mais comprometem a estrutura do sistema penal do que contribuem para seu aparente fortalecimento” (BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O princípio da proporcionalidade na produção legislativa brasileira e seu controle judicial, Revista Brasileira de Ciências Criminais, jul/ago 2010).

Frise-se que o texto vigente, expresso no artigo 7º do Capítulo II da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), traz como nomen iuris, simplesmente “Dos Direitos do Advogado”, abarcando, indistintamente, direitos e prerrogativas, sem incitar qualquer celeuma conceitual desnecessária e, até então, inexistente.

A antinomia aqui demonstrada, entretanto, não se limita ao confronto do Projeto de Lei com a norma em vigor. Está presente, perigosamente, no próprio Projeto, logo em seu artigo 1º, que altera o nome do Capítulo II do Título I do EAOAB: “Dos Direitos e Prerrogativas do Advogado”.

Contrariando a alternatividade até então imperante, o Projeto de Lei cria uma terceira via conceitual, aglutinando “direitos e prerrogativas” como salvaguardas diversas.

Na justificativa do Projeto, o legislador alega que deixaram “a redação mais extensa no Capítulo II da referida Lei, acrescendo ‘Direitos e Prerrogativas’, em vez de tão somente ‘Prerrogativas’”[40], e que, repita-se, diferenciaram “direitos de prerrogativas, para que o desrespeito a ambos seja crime”.

À primeira vista, pode parecer apenas singela discrepância do texto sob análise e desnecessário preciosismo crítico.

Entretanto, para que se alcance a efetiva e necessária tutela de tão importante bem jurídico, consubstanciado na plena garantia do exercício da Advocacia, é indispensável o emprego de técnica legislativa adequada, garantindo a fácil e correta interpretação normativa e, consequentemente, sua efetiva aplicabilidade.

O vício apontado ganha maior dimensão ao constatarmos que o Projeto, ao criminalizar a violação de direitos ou prerrogativas, não enumera, taxativamente, quais seriam as garantias dos Advogados que mereceriam a tutela penal.

Remete, perigosa e genericamente, ao artigo 7º do EAOAB, transformando-se, conceitualmente, em norma penal em branco.

 

8.1.2 – Da Norma Penal em Branco

Ao não elencar, expressamente, quais são os direitos ou prerrogativas que, uma vez violados, gerariam a incidência da norma penal, há remissão tácita ao artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB).

Reveste-se, portanto, de norma penal em branco, já que, embora comine sanção penal, descreve a matéria de proibição de maneira vaga e imprecisa, dependendo de complementação por outra norma:

“Normas penais em branco são normas de tipo incompleto, normas em que a descrição das circunstâncias elementares do fato tem de ser completada por outra disposição legal, já existente ou futura. Nelas a enunciação do tipo mantém deliberadamente uma lacuna, que outro dispositivo legal virá integrar. Nessas leis existe sempre um comando ou uma proibição, mas enunciados em geral, de maneira genérica, a que só a disposição integradora dará a configuração específica” (BRUNO, Aníbal. Direito penal – Parte Geral, Tomo I, 3a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 204).

Tendo em vista tratar-se de norma penal em branco do tipo homogênea homovitelinajá que faz remissão a dispositivo contido na mesma norma –, o artigo 43-A está menos sujeito à arguição de inconstitucionalidade do que as normas penais em branco heterogêneas – em que a remissão se dá a atos administrativos, como portarias, regulamentos etc[41].

Ainda assim, o respeito ao formalismo da legalidade não é o único aspecto a ser considerado na análise de sua constitucionalidade:

“Tais leis serão constitucionais na medida em que o complexo resultante de ambas normas [complementar e sancionadora] não viole algum dos outros princípios limitativos a que faz referência (estrita legalidade, proibição de analogia, não retroatividade, etc.)” (ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2ª ed., Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 116).

Embora não viole os princípios citados, é evidente que a amplitude e imprecisão do artigo 43-A – ao tentar tutelar indiscriminadamente “direitos ou prerrogativas” – acabem por alcançar, por conta da ambiguidade e multiplicidade de interpretações, resultado diverso do pretendido.

Primeiro, porque, apesar de o EAOAB em vigor – repetindo o Estatuto anterior (Lei nº 4.215/63) – e Regimentos Internos, como aquele da Seção de São Paulo da OAB, mencionarem o termo “prerrogativa”[42], não há, em qualquer dos diplomas citados, rol elencando quais seriam tais garantias. Supõe-se, assim, que as prerrogativas estão justamente dentre aquelas listadas no artigo 7º do EAOAB, que estabelece os “Direitos dos Advogados”.

Inovando temerariamente, repita-se, o Projeto de Lei cria uma alternatividade até então inexistente, tipificando a violação de direitos ou prerrogativas, como se fossem figuras distintas.

Conforme demanda a melhor técnica legislativa, o tipo penal deve ser redigido de forma clara e precisa, evitando emprego de expressão que possibilite dúvida na interpretação do texto[43]. O desrespeito a essas recomendações significa desfigurar por completo o conceito de Direito Penal:

“A técnica legislativa de formar tipos utilizando-se de cláusulas gerais é de todo incompatível com o Estado de Direito. O princípio da legalidade implica que o fato constitutivo do delito se mostre descrito de modo diferenciado, isto é, exige que a lei enuncie, mediante a indicação dos diversos caracteres da conduta delitiva, a matéria de proibição a fim de que os limites entre o lícito e ilícito não fiquem à mercê da decisão judicial” (LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Direito Penal, Estado e Constituição: princípios constitucionais politicamente conformadores do direito penal, São Paulo: IBCCrim, 1997, p. 62).

Ademais, o uso de normas penais em branco deve ser, tanto quanto possível, evitado, conforme determinação expressa do Decreto nº 4.176/02[44], que estabelece normas e diretrizes para a elaboração, redação, alteração e consolidação de projetos de atos normativos.

Não se pode conceber formulação legislativa que, na tentativa de responder avidamente a questão de inegável gravidade, gere normas obscuras, genéricas e deficientes:

“Os riscos envolvidos no afazer legislativo exigem peculiar cautela de todos aqueles que se ocupam do difícil processo de elaboração normativa. Eles estão obrigados a colher variada gama de informações sobre a matéria que deve ser regulada, pesquisa esta que não pode ficar limitada a aspectos estritamente jurídicos. É certo que se faz mister realizar a minuciosa investigação no âmbito legislativo, doutrinário e jurisprudencial. Imprescindível revela-se, igualmente, a análise da repercussão econômica, social e política do ato legislativo. Somente a realização dessa complexa pesquisa, que demanda a utilização de conhecimentos interdisciplinares, poderá fornecer elementos seguros para a escolha dos meios adequados para atingir os fins almejados” (MENDES, Gilmar. Questões Fundamentais de Técnica Legislativa, Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 11, setembro/outubro/novembro, 2007. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em 11.08.15).

Assim, melhor seria redigir a norma incriminadora com a máxima precisão de elementos possível, elencando taxativamente os direitos e prerrogativas do Advogado que, se violados, ensejariam a reprimenda penal:

“Não se pode, na atualidade, contentar-se com a mera legalidade, pois nem todo tipo penal construído pelo legislador obedece, como deveria, ao princípio da taxatividade. O ideal é sustentar a estrita legalidade, ou seja, um crime deve estar descrito em lei, mas bem detalhado (taxativo), de modo a não provocar dúvidas e questionamentos intransponíveis, bem como sendo possível visualizar uma ofensa a bem jurídico tutelado, agindo o autor com dolo ou culpa” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 101).

Contraditoriamente, o próprio Projeto de Lei, no §2º do artigo 43-A, é taxativo ao prever as causas de aumento de pena no caso de “ato atentatório à integridade física ou à liberdade do profissional”. Portanto, o mesmo critério numerus clausus, por coerência, deveria ter sido adotado no caput.

Formular tipos penais genéricos, vagos, imprecisos e abstratos “equivale teoricamente a nada formular, mas é prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso” (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 78), colocando em risco a tutela dos bens juridicamente relevantes.

Diante de todo o exposto, entendemos indispensável o aperfeiçoamento da redação do caput do artigo 43-A, para que seja dada dimensão exata ao alcance da lei, tutelando penalmente, e de forma taxativa, apenas aqueles direitos que, se violados, comprometeriam o equilíbrio na administração da justiça.

 

8.1.3 – Do Crime Material

O tipo penal previsto no artigo 43-A é crime material, já que exige necessariamente, para sua consumação, a ocorrência de resultado:

“É o crime de dano por excelência, no qual o evento lesivo se concretiza em um acontecimento destacado da ação (…). Há nesses ilícitos um evento externo à conduta para sua consumação” (DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal – Parte Geral, 2ª ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 67).

Na justificativa do Projeto, o legislador afirma que foram indicadas “as condutas ‘impedindo ou limitando’, para que não haja interpretação restritiva ao tipo penal”, e que empregaram “o verbo ‘limitar’, para que a conduta proibida alcance o impedimento parcial do exercício de direitos ou prerrogativas do Advogado”.

Porém, ao analisarmos os direitos assegurados aos Advogados pelo artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), constatamos a possibilidade da violação de algumas garantias não impedir ou limitar o exercício da Advocacia.

Apenas a título de exemplo, citaremos aquela prevista no inciso XVIII do referido artigo, que estabelece ser direito do Advogado “usar os símbolos privativos da profissão”; ou a previsão contida no inciso VII, que o autoriza a “permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior [salas de sessões dos tribunais, dependências de audiências, repartição judicial, etc.], independentemente de licença”.

Em contraposição, existem violações que estão a merecer o rigor da reprimenda penal diante de sua evidente gravidade, como aquelas previstas nos incisos II e III do artigo 7º do EAOAB, que asseguram, ao Advogado, “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”; e a comunicação com seus clientes, “pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”.

Nestes casos, evidente que suas violações consubstanciam diretamente o impedimento ou limitação do exercício profissional.

Portanto, devido à desproporção entre elas, faz-se necessário elencar, taxativamente, os direitos e prerrogativas que, se violados, impediriam ou limitariam o exercício da advocacia. Caso contrário,

“A rigor e em tese, aprovada a lei, poderiam configurar o crime condutas tão isentas e corriqueiras como o bloqueio temporário de passagem do veículo de um advogado em blitze policiais ou a ausência de cadeiras em sala de audiência para que o causídico pudesse se acomodar” (FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho; FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a criminalização da “violação de prerrogativas do Advogado”: Paleorrepressão de sentido impróprio, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, jan/dez de 2008, p. 437/455).

Recomendamos, também por esta razão, o aperfeiçoamento da proposição. Afinal, “redigir leis é a forma de expressão mais rigorosa depois da matemática” (DICKERSON, Reed. A arte de redigir leis, apud CARVALHO, Kildare Gonçalves, Técnica Legislativa, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 11).

 

8.1.4 – Das Questões Processuais Penais

8.1.4.1 – Da Requisição[45] de Instauração de Persecução Penal e Diligências em Fase Investigativa e da Admissão como Assistente do Ministério Público

Na primeira parte do §3º do art. 43-A[46] elencam-se disposições de ordem processual penal atinentes às prerrogativas concedidas à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que se coadunam com a legislação em vigor.

No tocante à “requisição”[47] de instauração de inquérito policial e diligências por parte da OAB, o Código Processual Penal assegura a possibilidade, seja em sede pública ou privada[48].

Não há, portanto, qualquer óbice que impeça a vítima, ou seu representante legal, de provocar o aparato coercitivo estatal para que proceda às investigações e diligências necessárias à solução do feito. O mesmo ocorre com a admissão da OAB como assistente do Ministério Público.

A figura do assistente já é instituto consagrado na legislação, à luz do artigo 268 do Código de Processo Penal:

“Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31”.

Ainda que não haja, no citado artigo, previsão expressa, nosso ordenamento infraconstitucional permite a atuação de órgãos ou entidades em demandas criminais em nome daqueles que pertencem a seus respectivos quadros:

“Excepcionalmente, admite-se que órgãos ou entidades sejam assistentes da acusação, mas os casos são taxativamente previstos em lei” (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal, 10ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 772).

“Cremos admissível o ingresso de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, como assistentes de acusação, diante do interesse público que, por trás delas, está presente” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 567).

A título de ilustração, a Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, prevê a admissão da Comissão de Valores Mobiliários ou do Banco Central do Brasil[49] como assistentes da acusação em procedimentos criminais, assim como a Lei de Crimes contra o Consumidor (Lei nº 8.078/90) legitima a intervenção de outros entes, como, por exemplo, órgãos da Administração Pública destinados à defesa dos interesses protegidos por aquela Lei[50].

A Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB) também disciplinou a matéria, autorizando que a OAB interceda em inquéritos e processos nos quais aqueles inscritos em seus quadros figurem como indiciado, acusado ou ofendido[51]. Deste modo, o Projeto em apreço seria apenas uma extensão daquilo já sedimentando há mais de duas décadas, instrumentalizando e regulamentando a legítima intervenção da OAB.

Assim, a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil, na qualidade de assistente do Ministério Público, representando os interesses de Advogado que se encontra em posição de vítima de demanda criminal, além de não transgredir qualquer lei infraconstitucional, seria medida de efetiva proteção ao indispensável exercício da Advocacia.

 

8.1.4.2 – Da Ação Penal de Iniciativa Privada Subsidiária da Pública

Outra disposição que merece análise quanto sua constitucionalidade material e legalidade é aquela prevista na segunda parte do §3º do artigo 43-A[52], que autoriza a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, por intermédio de seu Conselho Federal ou Seccional, a intentar ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública quando o Ministério Público deixar de oferecer denúncia no prazo legal.

A ação penal para o tipo descrito no artigo 43-A é pública incondicionada – em razão da falta de disposição em contrário – cabendo sua titularidade, privativamente, ao Órgão ministerial[53].

Contudo, consoante secular ensinamento de que nenhum direito ou princípio é absoluto, a própria Constituição Federal excepciona esse regramento, facultando a promoção de ação penal privada no caso de inércia do Ministério Público[54]. Afinal, não seria racional privar a OAB, na inquestionável condição de vítima[55], de alcançar a justa prestação jurisdicional ante a desídia do titular da ação penal.

Regulamentando a questão, o Código de Processo Penal estabelece que caberá “ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo”[56] a propositura da ação penal privada, dispondo, ainda, sobre o momento em que ela deve ser manejada[57]. Nesse diapasão, não haveria embaraço a promoção, pela OAB, das demandas versadas no Projeto desde que houvesse expressa disposição legal[58].

Assumir a titularidade da ação penal privada subsidiária da pública seria indispensável quando, por exemplo, membros do próprio Ministério Público incorressem na condição de autores da prática criminosa violadora das garantias profissionais e, intencionalmente, se quedassem inertes quanto à propositura da ação penal.

 

8.1.4.3 – Da Manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil após Promoção de Arquivamento

Nos termos do §4º do artigo 43-A[59], após promoção do arquivamento de inquérito policial, deve o juiz, “antes de sobre ela decidir”, franquear vista dos autos para manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

A Entidade poderia, então: a) concordar com o arquivamento da persecução penal pugnado pela Promotoria (inciso I); b) pleitear a remessa dos autos ao Procurador-Geral, consoante o artigo 28 do Código de Processo Penal[60] (inciso II); ou, ainda, c) assumir a titularidade da persecução penal independentemente da vontade do Ministério Público, que não poderia repudiar processualmente eventual iniciativa da OAB, senão como fiscal, nem retomar titularidade para a persecução penal (inciso III).

Enquanto as garantias asseguradas à OAB nos incisos I e II não afrontam a legítima titularidade da ação penal concedida ao Ministério Público, aquela prevista no inciso III se mostra flagrantemente inconstitucional.

Isto porque o artigo 5º, inciso LIX, da Constituição Federal, admite a ação penal privada nos crimes de ação penal pública, desde que esta não tenha sido “intentada no prazo legal”[61], ou seja, desde que não haja qualquer manifestação por parte do Ministério Público (oferecimento de denúncia, requisição de diligências, ou promoção de arquivamento):

“O art. 5º, LIX, da Constituição Federal – quando prevê que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal – não constitui verdadeira exceção ao art. 129, I[62], mas tão-somente um mecanismo de freios e contrapesos constitucional ao exercício, por parte do Ministério Público, dessa função constitucional que constitui ato de soberania, nunca permitido se o titular da ação penal pública manifestar-se, ou propondo a respectiva denúncia, ou ainda, promovendo o arquivamento ou requisitando diligências à autoridade policial, ou, nas infrações penais de menos potencial ofensivo, oferecendo a transação penal” (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 1717).

“A ação penal subsidiária, ou supletiva, só tem lugar no caso de inércia do órgão do MP, ou seja, quando ele, no prazo que lhe é concedido para oferecer a denúncia, não a apresenta, não requer diligência, nem pede o arquivamento” (MIRABETE, Julio Fabrinni. Processo Penal, 1ª ed., São Paulo: Atlas, 1991, p. 120/121. Grifamos).

Esse também é o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça:

“O ajuizamento da ação penal privada subsidiária da pública pressupõe a completa inércia do Ministério Público, que se abstém, no prazo legal, (a) de oferecer denúncia, ou (b) de requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação, ou, ainda, (c) de requisitar novas (e indispensáveis) diligências investigatórias à autoridade policial. Precedentes” (STF. Habeas Corpus nº 74276, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 03.09.1996).

“O acórdão prolatado pela Sexta Turma deixa claro que a titularidade da ação penal pública é do Ministério Público e, mesmo nos casos de ação penal privada subsidiária da pública, o Parquet poderá inclusive repudiar a queixa. Dessa forma, independentemente da data do requerimento de arquivamento feito pelo Ministério Público, não será possível o recebimento da queixa. Ademais, ressalta que o requisito essencial para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública é a inequívoca inércia do Ministério Público, o que não se configurou no caso concreto, tendo em vista ter sido feito pedido de arquivamento na mesma data do oferecimento da queixa” (STJ. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 2009.00734053, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 13.10.2014).

Postular pelo arquivamento do feito, portanto, não significa dizer que o Parquet quedou-se inerte, mas, como dominus litis, entendeu não ser o caso de persecução penal – porque o fato é atípico, por estar extinta a punibilidade ou por ausência de indícios mínimos de autoria e prova da materialidade – que justificassem o patrocínio da ação penal.

Além de evidentemente inconstitucional[63], referido dispositivo infringe, ainda, as normas penais e processuais penais, já que a ação privada nos crimes de ação pública, desde que o Ministério Público não ofereça denúncia no prazo legal, também encontra guarida no artigo 100, §3º, do Código Penal[64] e artigo 29 do Código de Processo Penal[65].

Deste modo, enquanto as garantias previstas nos incisos I e II do §4º do artigo 43-A estão em plena consonância com as normas em vigência, sob o manto da tutela da atividade advocatícia, aquela prevista no inciso III se mostra flagrantemente contrária à legislação constitucional e infraconstitucional[66].

 

8.2 – Do Artigo 43-B

8.2.1 – Da Modalidade Culposa (§ 1o)

O Projeto de Lei do Senado nº 141/15, ao criminalizar o exercício ilegal da Advocacia estabelece, no §1º do artigo 43-B, a possibilidade de punição do exercício ilegal da Advocacia também na modalidade culposa.

A punibilidade do crime culposo – quando o agente dá causa, por imprudência, negligência ou imperícia[67], a resultado naturalístico indesejado, não previsto e nem querido, mas previsível – é admitida excepcionalmente, devendo haver, para tanto, expressa previsão normativa nesse sentido[68].

Distinguindo os conceitos de dolo e culpa, a doutrina assevera:

“Culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada em conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível. A estrutura do tipo de injusto culposo é diferente da do tipo de injusto doloso: neste, é punida a conduta dirigida a um fim ilícito, enquanto no injusto culposo se pune a conduta mal dirigida, normalmente destinada a um fim penalmente irrelevante, quase sempre lícito. O núcleo do tipo de injusto nos delitos culposos consiste na divergência entre a ação efetivamente praticada e a que devia realmente ter sido realizada, em virtude da observância do dever objetivo de cuidado” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado, 8ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 162/163).

A culpabilidade, no delito culposo, decorre, portanto, da inobservância do dever objetivo de cuidado e da previsibilidade objetiva do resultado alcançado:

“Existe previsibilidade quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou, podia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as conseqüências do seu ato. Previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. I, tomo II, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1955, p. 185).

Prestados esses breves esclarecimentos, indispensáveis à compreensão do conceito de crime culposo, verificamos que não há qualquer óbice, sob os aspectos formais e técnicos, à criminalização do exercício ilegal da Advocacia também a título de culpa, conforme estabelece o artigo 43-B, § 1º, do Projeto.

Entendemos, porém, que referida previsão legal representa verdadeiro excesso protetivo, destoando das demais normas existentes sobre o tema: tanto o artigo 282 do Código Penal quanto o artigo 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais) preveem punição para o exercício ilegal da profissão apenas para o agente que agir dolosamente:

“O elemento subjetivo do crime é o dolo genérico: vontade livremente dirigida à prática habitual de qualquer das artes referidas no art. 282, sabendo o agente que não tem autorização para isso. Só é punível o fato a título de dolo” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IX, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958, p. 149).

“Das contravenções relativas à organização do trabalho – exercício ilegal de profissão ou atividade (…) Elemento subjetivo: é o dolo. Não há elemento subjetivo específico, nem se pune a forma culposa” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, 3ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 191).

O Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, que reforma o Código Penal, ao tipificar, em seu artigo 197[69], o exercício ilegal de qualquer profissão ou atividade econômica regulamentada, prevê, da mesma forma, punição apenas a título de dolo.

Ainda que superada a desarmonia do dispositivo legal (artigo 43-B, § 1º) com as demais normas relacionadas sobre o tema, algumas situações práticas também apontam para a desnecessidade de sua manutenção no texto normativo.

Nesse contexto, convém destacar as seguintes situações hipotéticas, as quais revelam que as reprimendas penais, nos moldes propostos pelo artigo 43-B, § 1º, atingiriam, na maioria das vezes, futuros profissionais da Advocacia: a) estagiário de Direito inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, que pratica atos privativos de advogado, como a assinatura isolada de peça processual; b) indivíduo que exerce a Advocacia porque foi aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, embora ainda não tenha concluído o curso de Direito; c) sujeito que exerce a Advocacia, tendo em vista que já se formou e passou no Exame da Ordem, mas, em razão dos trâmites burocráticos, ainda não obteve seu número de inscrição na OAB.

A norma insculpida no artigo 43-B, § 1º, em última análise, acabaria por macular, de plano, a carreira dos estudantes de Direito que estão prestes a se tornar Advogados, impondo-lhes desarrazoada reprimenda penal, de 3 meses a 1 ano de detenção, o que evidentemente não se compatibiliza com a intenção do legislador.

Convém destacar que eventuais abusos não intencionais daqueles inscritos nos quadros da OAB podem ser punidos disciplinarmente, mostrando-se desnecessário, também por esse aspecto, a manutenção do artigo 43-B, § 1º.

Concluímos, portanto, que a norma seria mais efetiva se punisse o crime apenas na modalidade dolosa – representada pela vontade consciente de exercer ilegalmente a profissão ou se exceder em seu exercício –, guardando coerência com os demais textos normativos já existentes e evitando o apenamento indesejado de futuros profissionais da Advocacia.

 

9 – Da Conveniência e Oportunidade do PLS Nº 141/15

Ultrapassada a análise da constitucionalidade formal e material e da legalidade do Projeto de Lei, e celebrados os indispensáveis reparos já apontados, se faz mister refletir acerca de sua conveniência e oportunidade, perquirindo se o ato administrativo atende adequadamente ao interesse público.

Conveniente é aquilo que é adequado, apropriado ao objeto que se destinou. A proposição legal será conveniente se estiver apta a cumprir o objetivo previsto, se for proporcional, útil e ajustada ao interesse público.

A oportunidade se refere à adaptação da medida ao cumprimento dos fins pretendidos pelo mandamento normativo que o ato administrativo busca satisfazer. Oportuno é o que se pratica em tempo hábil, em boa hora. O critério de oportunidade guarda afetação às circunstâncias de tempo e ambiente, sendo, portanto, variável.

As alterações legislativas propostas pelo Projeto de Lei do Senado nº 141/15 mostram-se extremamente convenientes e oportunas diante da importância da atividade advocatícia, historicamente valorizada:

“A advocacia nasceu da necessidade moral de defender os fracos e os justos. Era exercida por homens livres e bons, que não se preocupavam com a remuneração, mas emprestavam seu trabalho e sua inteligência para servir à verdade, ao Direito e à Justiça. (…) Esse alicerce, que é de muitos séculos, marcou a profissão, associando-a à nobreza de caráter. (…) Implicou, outrossim, a criação de sólidas regras éticas, que se fundaram sempre na moral e na lei, mas também na tradição, que se arraigou definitivamente no Advogado” (FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Mudança na advocacia: uma constatação, um depoimento, Revista do Advogado, São Paulo, ano XXVIII, nº 100, outubro de 2008, p. 37).

Lamentavelmente, nosso país enfrenta grave crise – econômica, política e ética – colocando em dúvida a integridade das próprias instituições. Mas como bem lembrado pelo eminente Advogado José Horário Halfeld Rezende Ribeiro, Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, “são exatamente nesses momentos que a advocacia se agiganta para demonstrar a importância da segurança jurídica, de que nada ocorrerá sem o respeito à Constituição e à lei” (Compromisso do Advogado. Disponível em <http://www.iasp.org.br/2015/08/compromisso-do-advogado/>. Acesso em 11.08.15).

Ao ressaltar a indispensabilidade do Advogado na concretização da justiça, tipificando a violação de seus direitos profissionais, bem como o exercício ilegal da profissão, o Projeto de Lei valoriza a Advocacia, lembrando a sociedade e aos próprios Advogados a importância de seu ofício.

As condutas que se buscam criminalizar são de indiscutível gravidade, na medida em que impedem o escorreito exercício da Advocacia, colocando em risco a própria administração da justiça.

A inviolabilidade do Advogado no exercício da profissão é assegurada desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Vinte anos depois, com o advento da Lei nº 11.767/08, “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”, passou a constar do rol dos direitos previstos no artigo 7º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB. Atualmente, portanto, o Advogado encontra amparo não apenas constitucional, como também da legislação infraconstitucional.

No entanto, até hoje, não há reprimenda para aqueles que infringem tal direito, salvo aquelas já mencionadas anteriormente[70] que, como se viu, não se mostram efetivas.

Para que a proteção seja efetiva, a norma incriminadora deve conter dois preceitos básicos:

“o preceito principal – preceptum juris –, que é a descrição da conduta delituosa, e o preceito secundário – sanctio juris –, em que vem cominada a pena ao infrator da lei, que praticou a ação descrita no preceptum juris” (CASTELO BRANCO, Fernando. A Pessoa Jurídica no Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 126).

De nada vale uma norma pretensamente protetiva se, diante de sua violação, não há reprimenda proporcional[71]:

“A norma penal será, certamente, julgada ineficaz – e ela é duplamente ineficaz – como sustenta Carbonnier, ‘se praticada uma infração não lhe segue uma punição’” (CASTELO BRANCO, Fernando. A Pessoa Jurídica no Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 128).

Assim, embora atualmente haja forte tendência de descriminalização de condutas – conforme abordado anteriormente –, quando as medidas previstas em nosso ordenamento jurídico não se mostram suficientes, entendemos que a tipificação penal é a única forma de coibir abusos a interesses constitucionalmente tutelados:

“A lei penal necessita ficar circunscrita dentro dos limites bem definidos do texto constitucional. O resultado disso é que, na hierarquia de valores expressos no texto da Lei Maior, capta-se a necessidade da realização de um processo despenalizador, e de outro processo de penalização, realizados, ambos, a partir de premissas constitucionais. (…) Penalização de fatos, até então atípicos, mas que, diante da lei Maior, passaram a ter relevância social, fatos até então indiferentes ao legislador, mas que não poderão continuar sendo por ofenderem, significativamente, interesses tutelados constitucionalmente. Aqui, pode-se observar, ainda, a existência de fatos que já eram apenados mas cuja apenação deve ser melhor graduada, diante de seu significado de maior relevo para a Constituição” (CARVALHO, Maria Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 38).

Pelas razões acima aduzidas, é incontestável a conveniência e oportunidade do Projeto[72], que fortalece e valoriza o exercício da Advocacia em seu encargo indeclinável de contribuir para a efetiva realização da justiça.

 

10 – Conclusão

Conclui-se, portanto, que o Projeto de Lei do Senado nº 141/15 – celebradas as necessárias correções em sua redação – representará, caso seja transformado em lei, conquista histórica para os interesses sociais e para o aprimoramento do Estado democrático de Direito, reestabelecendo o equilíbrio indispensável para a correta administração da justiça.

É o parecer.

São Paulo, 21 de agosto de 2015.

 

Fernando Castelo Branco

OAB/SP 118.357

 

 

Fernanda de Almeida Carneiro

OAB/SP 246.202

[1] Termo empregado na ementa do Projeto.

[2] EAOAB – Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.

CED – Art. 1º. O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.

[3] Art. 7º. São direitos do advogado: I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB; V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar; VI – ingressar livremente: a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados; b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado; d) em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais; VII – permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença; VIII – dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada; X – usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas; XI – reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; XII – falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo; XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos; XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais; XVI – retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias; XVII – ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela; XVIII – usar os símbolos privativos da profissão de advogado; XIX – recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional; XX – retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo.

[4] Entenda as prerrogativas e conheça esse direito. Disponível em: <http://www.prerrogativas.org.br/que-direito-e-esse>. Acesso em 30.07.15.

[5] Medida que pode ser efetivada pelo Conselho Seccional em favor do Advogado que tenha sido “ofendido no exercício da profissão ou em razão dela”, nos termos do artigo 7º, XVII e §5º, do EAOAB. Conforme esclarece o eminente Advogado Marcos da Costa, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, “a sessão de desagravo tem dupla finalidade: promover uma reparação moral ao advogado ofendido no exercício profissional e conclamar a solidariedade da classe na luta contra atos ilegais e abusos de autoridades que violam a liberdade de prática da advocacia, para assegurar as prerrogativas do profissional e permitir seu trabalho” (Desagravo e Defesa da Advocacia. Disponível em <http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/palavra-do-presidente/2012/165>. Acesso em 13.08.15.

[6] Art. 322. Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente à violência.

[7] Art. 350. Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder: Pena – detenção, de um mês a um ano. Parágrafo único – Na mesma pena incorre o funcionário que: I – ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança; II – prolonga a execução de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de executar imediatamente a ordem de liberdade; III – submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; IV – efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.

[8] Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: (…) j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Art. 6º. O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal. (…) §3º. A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos arts. 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a) multa de cem cruzeiros a cinco mil cruzeiros; b) detenção e 10 (dez) dias a 6 (seis) meses; c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até 3 (três) anos.

[9]  Conforme esclarece Raúl Cervini, a descriminalização pode se manifestar sob três formas: “a) descriminalização formal, de jure ou em sentido estrito, que em alguns casos sinaliza o desejo de outorgar um total reconhecimento legal e social ao comportamento descriminalizado, como por exemplo no caso da relação homossexual entre adultos (…); b) descriminalização substitutiva, casos nos quais as penas são substituídas por sanções de outra natureza, como por exemplo, a transformação de delitos de pouca importância em infrações administrativas ou fiscais punidas com multa de caráter disciplinar (…); c) descriminalização de fato (…) quando o sistema penal deixa de funcionar sem que formalmente tenha perdido competência para tal, quer dizer, do ponto de vista técnico-jurídico, nesses casos, permanece ileso o caráter de ilícito penal, eliminando-se somente a aplicação efetiva de pena” (Os Processos de Descriminalização, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 82/83).

No Brasil, o Projeto do novo Código Penal (PLS nº 236/2012), por exemplo, propõe a descriminalização formal, dentre outras condutas, do porte de drogas para consumo e do aborto.

[10] “Promover-se-á preceito penal que assegurará a desigualdade entre iguais, já que não existem ‘crimes de violação de direitos e prerrogativas profissionais’ para outras tantas categorias de profissionais liberais, como médicos, engenheiros, contadores, etc. (e que, não raro, têm também ‘prerrogativas’; assim, e.g., a do médico, enquanto testemunha, em silenciar quanto ao estado de saúde de seus pacientes – artigo 207 do CPP ―, ou a de não servir no tribunal do júri em caso de necessidade de dispensa – artigo 436, par. único, XI, ‘a’, 1ª parte, do CPP)” (FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho; FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a criminalização da “violação de prerrogativas do Advogado”: Paleorrepressão de sentido impróprio, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, jan/dez de 2008, p. 437/455).

[11] Art. 34. Constitui infração disciplinar: I – exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos; (…) XXIX – praticar, o estagiário, ato excedente de sua habilitação.

[12] EAOAB – Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas. Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido – no âmbito do impedimento – suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia.

Art. 42. Fica impedido de exercer o mandato o profissional a quem forem aplicadas as sanções disciplinares de suspensão ou exclusão.

Lei nº 12.403/11 – Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (…) VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.

[13] Código Penal – Art. 282. Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único – Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.

[14] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).

[15] Art. 197. Exercer ou anunciar que exerce, ainda que a título gratuito, qualquer profissão ou atividade econômica regulamentada, sem preencher as condições a que por lei está subordinado seu exercício, ou sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena – prisão, de seis meses a dois anos. § 1º. Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplicasse também multa. § 2º. Incorre nas mesmas penas quem exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus de que foi suspenso ou privado por decisão administrativa ou judicial.

[16] Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, no caso de exercício ilegal da Advocacia, “a norma inscrita no art. 47 da Lei das Contravenções Penais aplica-se tanto ao profissional não inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil quanto ao profissional, que, embora inscrito, encontra-se suspenso ou impedido, estendendo-se, ainda, essa mesma cláusula de tipificação penal, ao profissional com inscrição já cancelada” (Habeas Corpus nº 74.471, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, DJ 19.03.2009).

 

[17] Termo, repita-se, empregado na ementa do Projeto.

[18] Art. 43-A. Violar direito ou prerrogativa do Advogado, impedindo ou limitando o exercício da advocacia. Pena: detenção, de um a quatro anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência. § 1º Se o crime é culposo: Pena: detenção, de seis meses a dois anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência. § 2º As penas são aplicadas em dobro se o agente público praticar ato atentatório à integridade física ou à liberdade do profissional de que trata o artigo, e nos casos de condução ou prisão arbitrária, ficará sujeito à imediata suspensão cautelar de seu exercício profissional, por período não inferior a 15 (quinze) dias e não superior a 60 (sessenta) dias, com alternativa ou cumulativa transferência para outra função ou localidade distinta do local do fato.

[19] Art. 43-B. Exercer ou anunciar que exerce, ainda que a título gratuito, qualquer modalidade de advocacia, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício, ou sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena – detenção, de um a três anos. § 1º Se o crime é culposo: Pena: detenção de três meses a um ano. § 2º Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se cumulativamente multa. § 3º Incorre nas mesmas penas quem exerce função, atividade, direito, autoridade ou múnus de que foi suspenso ou privado por decisão administrativa ou judicial. § 4º Aplica-se neste artigo o disposto no § 2º do artigo anterior.

[20] Art. 43-A. (…) § 3º A Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de seu Conselho Federal, em qualquer situação, e Conselho Seccional no âmbito de sua atribuição regional, poderá requisitar à autoridade com atribuição para investigação, instauração de persecução penal por crime de que trata este artigo, bem como diligências em fase investigativa, requerer a sua admissão como assistente do Ministério Público, em qualquer fase da persecução penal, bem como intentar ação penal de iniciativa privada subsidiária nos termos do Código Penal e Código de Processo Penal. § 4º O juiz, recebendo promoção de arquivamento de persecução penal relativa a crime tratado neste artigo, antes de sobre ela decidir, deverá franquear manifestação à Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de seus Conselhos Seccionais, em qualquer hipótese, ou ao Conselho Federal, caso se trate de persecução penal relativa a fatos ocorridos perante Tribunais Federais com competência territorial que abranja mais de um Estado da Federação, para que: I – concorde com o arquivamento pleiteado, II – requeira remessa ao Procurador-Geral nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal ou III – assuma a titularidade da Persecução Penal independentemente da vontade do Ministério Público, o qual não poderá repudiar processualmente eventual iniciativa da Ordem, senão como fiscal, nem retomar titularidade para a Persecução Penal.

[21] Art. 34. (…) XXX – manter conduta incompatível com o exercício de cargo ou função, administrativa ou não, em qualquer órgão da Ordem, descumprindo com leniência, imprudência, imperícia ou negligência o seu dever;

[22] Art. 34. (…) XXXI – manter conduta incompatível com o exercício de cargo ou função, administrativa ou não, em qualquer órgão da Ordem, descumprindo com dolo o seu dever;

[23] Art. 36. (…) I – infrações definidas nos incisos I a XVI, XXIX e XXX do art. 34;

[24] Art. 38. (…) II – infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII, e XXXI do art. 34.

[25] Art. 43. (…) § 3º A prescrição suspende-se enquanto ocorrer hipótese prevista no artigo 69, § 6º desta Lei, inclusive nos procedimentos já em curso.

[26] Art.69. (…) § 1º Nos casos de comunicação por ofício reservado, ou de notificação pessoal, a qual deverá ser remetida por uma única vez em modo a ser recebida de forma personalíssima, pelo destinatário, seja por oficial de comunicações, seja por correspondência com Aviso de Recebimento Mão Própria, o prazo conta-se a partir do dia útil imediato ao da juntada aos autos do procedimento do comprovante de recebimento da notificação personalíssima. § 2º Não sendo o notificado encontrado para recebimento da notificação personalíssima, enviar-se-á mais uma única vez correspondência não personalíssima a todos os seus endereços cadastrados junto à OAB, com Aviso de Recebimento simples, quando o prazo se contará a partir do dia útil imediato ao da juntada aos autos do procedimento da notificação do recebimento da última correspondência enviada.§ 3º Publica-se na imprensa oficial o ato ou a decisão, quando o notificado não atender ao chamado da notificação não personalíssima, devidamente cumprida em algum dos endereços cadastrados junto à OAB, ou quando os endereços cadastrados mostrarem-se incorretos ou inexistentes. Nesses casos, o prazo será de 30 dias, se não for determinado de forma diversa, e inicia-se no primeiro dia útil imediato após o término do prazo fixado na publicação. § 4º No caso de publicação na imprensa oficial do ato ou da decisão, essa deverá ocorrer no âmbito da Seccional onde o notificado possuir inscrição originária, ainda que por solicitação do Órgão processante à outra Seccional, os quais poderão ser distintos.

[27] Art.69. (…) § 5º Na hipótese de ter ocorrido notificação personalíssima, escoado o prazo para manifestação do notificado, quedando-se esse inerte, procede-se na forma do art. 73, § 4º, nomeando-se defensor dativo, para exercitar ampla, material e individualizada defesa técnica, bem como acompanhar todos os atos procedimentais, inclusive julgamentos colegiados no âmbito do Conselho em que tramita o procedimento, para os quais deverá ser o defensor dativo notificado pessoal e previamente. § 6º Na hipótese de haver ocorrido notificação não personalíssima, e cumprida a formalidade de publicação da notificação em publicação oficial, escoado o prazo para manifestação do notificado, quedando-se esse inerte, haverá suspensão do curso do procedimento e do fluxo do prazo prescricional pelo prazo máximo previsto no caput do art. 43, o qual, uma vez escoado, cessará a suspensão do procedimento e do fluxo do prazo prescricional, com nomeação de defensor dativo, como previsto no § 4º do art. 73 desta lei, para os fins indicados no §5º, in fine. § 7º O comparecimento do notificado ao procedimento durante o curso do prazo de suspensão previsto no § 6º cessará a suspensão do curso do procedimento e do fluxo do prazo prescricional. § 8º O procedimento seguirá sem a presença do notificado que, demonstrando ciência da existência do procedimento, deixar de comparecer sem motivo justificado ou, no caso de mudança de endereço, não comunicar o novo endereço à OAB. Nesse caso, haverá nomeação de defensor dativo, como previsto no § 4º do art. 73 desta Lei, para os fins indicados no §5º, in fine.

[28] Art.69. (…) § 9º Durante a suspensão do procedimento de que trata o § 6º poderá haver produção antecipada de provas, desde que fundamentadamente se demonstre serem urgentes, relevantes e inadiáveis, observando-se e justificando-se a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. § 10. Na hipótese de produção antecipada de provas durante suspensão do procedimento, a qual somente se dará mediante fundamentada decisão, demonstrando a urgência de sua colheita sem a presença do notificado, será nomeado defensor dativo para acompanhá-la, como previsto no § 4º do art. 73 desta Lei, para exercitar ampla, material e individualizada defesa técnica durante sua produção, atos para os quais deverá ser o defensor dativo notificado pessoal e previamente. § 11. Caso tramite originariamente ou em grau recursal o procedimento perante o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de igual forma ao que estabelecido nos §§ 5º e 6º, deverá ser nomeado defensor dativo para o notificado.

[29] Art.69. (…) § 12. Nenhum ato será declarado nulo, se da alegada nulidade não resultar prejuízo para alguma das partes envolvidas.

[30] “O conjunto de atos que uma proposição normativa deve cumprir para se tornar uma norma de direito” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 890).

[31] Constituição Federal – Art. 61.

[32] Constituição Federal – Art. 93, art. 96, II, a, b, c e d, art. 127, §2º e art. 128, §5º.

[33] Constituição Federal – Art. 61, §1º e art. 165.

[34] Constituição Federal – Art. 61, §2º.

[35] Constituição Federal – Art. 64 e art. 65.

[36] Constituição Federal – Art. 47.

[37] Constituição Federal – Art. 66.

[38] O artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), cita os “direitos do Advogado”, enquanto os artigos 40, I, 54, III e 61, II falam exclusivamente em prerrogativas.

[39] “Diferenciamos direitos de prerrogativas, para que o desrespeito a ambos seja crime”.

[40] “Deixamos a redação mais extensa no Capítulo II da referida Lei, acrescendo ‘Direitos e Prerrogativas’, em vez de tão somente ‘Prerrogativas’; e indicamos as condutas ‘impedindo ou limitando’, para que não haja uma interpretação restritiva ao tipo penal”.

[41] A doutrina aponta três categorias de normas penais em branco: a) normas cujo complemento se encontra na própria lei, ou seja, de remissão interna (norma penal em branco homogênea homovitelina); b) normas cujo complemento se encontra em outras leis, emanadas, porém, da mesma instância legislativa (norma penal em branco homogênea heterovitelina); e c) normas cujo complemento está contido em outra norma, procedente de uma instância legislativa diversa (norma penal em branco heterogênea) (BRAUN, Stampa. Introducción a la ciencia del Derecho Penal, Miñon S.A: Valladolid, 1953, p. 31/32).

[42] Apenas a título de exemplo: EAOAB: art. 40, I; art. 54, III e art. 61, III; Lei nº 4.215/63: art. 18, III; art. 33, §3º, a; art. 58; art. 64; art. 87, VII, art. 116 e art. 129; Regimento Interno OAB/SP: art. 18, V; art, 26, d; art. 50, XII; art. 58; art. 65 §2º.

[43] Nos termos da Lei nº 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal.

[44] Art. 11. O projeto de lei penal manterá a harmonia da legislação em vigor sobre a matéria, mediante: I – a compatibilização das novas penas com aquelas já existentes, tendo em vista os bens jurídicos protegidos e a semelhança dos tipos penais descritos; e II – a definição clara e objetiva de crimes. Parágrafo único. A formulação de normas penais em branco deverá ser evitada.

[45] Embora o texto do Projeto de Lei utilize, em seu artigo 43-A, §3º, o verbo “requisitar” (“A Ordem dos Advogados do Brasil (…) poderá requisitar à autoridade com atribuição para investigação, instauração de persecução penal”), entendemos que “requerer” seja o termo mais adequado. Conforme esclarece a doutrina, requisição “é a exigência para a realização de algo, fundamentada em lei. (…) Requisitar a instauração do inquérito lastreado em lei, fazendo com que a autoridade policial cumpra a norma e não a vontade particular do promotor ou do magistrado”. Já o requerimento, “é um pedido ou solicitação, passível de indeferimento pelo destinatário. Diferente da requisição, que é uma exigência legal, não sujeita ao indeferimento, como regra, porque lastreada em lei e produzida por outra autoridade, o requerimento é um pedido feito por leigo, não necessariamente legal, por isso, analisado livremente pelo critério da autoridade policial. Naturalmente, não concordando com a decisão tomada pelo delegado, caso não instaure o inquérito solicitado, cumpre-se o disposto no § 2º, artigo 5º, do Código de Processo Penal” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2008, p. 84/86).

[46] Art. 43-A. (…) § 3º A Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de seu Conselho Federal, em qualquer situação, e Conselho Seccional no âmbito de sua atribuição regional, poderá requisitar à autoridade com atribuição para investigação, instauração de persecução penal por crime de que trata este artigo, bem como diligências em fase investigativa, requerer a sua admissão como assistente do Ministério Público, em qualquer fase da persecução penal, bem como intentar ação penal de iniciativa privada subsidiária nos termos do Código Penal e Código de Processo Penal.

[47] Vide nota 49

[48] Art. 5º.  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: (…) II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. (…) § 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. (…) § 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.

[49] Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal. Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no art. 268 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização.

[50] Art. 80. No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (…) III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

[51] Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei. Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.

[52] Art. 43-A. (…) § 3º A Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de seu Conselho Federal, em qualquer situação, e Conselho Seccional no âmbito de sua atribuição regional, poderá requisitar à autoridade com atribuição para investigação, instauração de persecução penal por crime de que trata este artigo, bem como diligências em fase investigativa, requerer a sua admissão como assistente do Ministério Público, em qualquer fase da persecução penal, bem como intentar ação penal de iniciativa privada subsidiária nos termos do Código Penal e Código de Processo Penal.

[53] Constituição Federal – Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.

[54] CF – Art. 5º. (…) LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.

[55] Em sua conceituação jurídica, vítima é qualquer pessoa que, em razão de ofensa a norma jurídica substantiva, sofre algum prejuízo, dano ou lesão (FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal, São Paulo: Malheiros Editora, 1995, p. 41). O crime, quando analisado sob o aspecto formal, tem, na pessoa jurídica do Estado, o titular do mandamento proibitivo e o principal sujeito passivo penal. O sujeito passivo secundário é o titular do interesse penalmente protegido, podendo ser pessoa física ou jurídica. A conduta criminosa pode, entretanto, trazer consequências que ultrapassam a esfera penal, ocasionando à vítima prejuízos de ordem civil ou administrativa, sendo permitida sua participação no processo criminal para resguardar interesses não penais (CASTELO BRANCO, Fernando. A Pessoa Jurídica no Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 180/181). Competindo à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, por intermédio de seu Conselho Federal ou Subseções, “representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais dos advogados”, “velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da advocacia” e “fazer valer as prerrogativas do advogado” (artigos 54, II e III e 61, I e II do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), é evidente sua condição de vítima quando prerrogativas profissionais dos Advogados são violadas.

[56] Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Art. 30.  Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

[57] Art. 38.  Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Art. 46.  O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.

[58] A Lei de Crimes contra o Consumidor (Lei nº 8.078/90) faculta, em seu artigo 80, a propositura de ação penal subsidiária pelas entidades elencadas no artigo 82, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.

 

[59] Art. 43-A. (…) §4º. O juiz, recebendo promoção de arquivamento de persecução penal relativa a crime tratado neste artigo, antes de sobre ela decidir, deverá franquear manifestação à Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de seus Conselhos Seccionais, em qualquer hipótese, ou ao Conselho Federal, caso se trate de persecução penal relativa a fatos ocorridos perante Tribunais Federais com competência territorial que abranja mais de um Estado da Federação, para que: I – concorde com o arquivamento pleiteado, II – requeira remessa ao Procurador-Geral nos termos do artigo 28 do Código de

Processo Penal ou III – assuma a titularidade da Persecução Penal independentemente da vontade do Ministério Público, o qual não poderá repudiar processualmente eventual iniciativa da Ordem, senão como fiscal, nem retomar titularidade para a Persecução Penal.

[60] Art. 28.  Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

[61] Art. 5º. (…) LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.

[62] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.

[63] Muito embora o artigo 129, I, da Constituição Federal, seja norma de eficácia contida, sua interpretação sistêmica, conjugada com o inciso LIX do artigo 5º da Carta Magna, restringe a titularidade da ação penal pública ao Ministério Público, excetuando, apenas, o caso de a ação penal não ser “intentada no prazo legal”.

[64] Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. (…) § 3º – A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

[65] Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

[66] Hélio Tornaghi, de forma absolutamente divorciada da doutrina e jurisprudência, se posiciona em sentido contrário: “Há quem pretenda não caber ação privada subsidiária no caso em que o Ministério Público pede o arquivamento, porque aí, diz-se, o Ministério Público agiu, não ficou inerte, inativo, e o que a lei quer é apenas permitir a ação subsidiária do ofendido na hipótese de negligência do órgão estatal. Mas o argumento nem encontra amparo na letra da lei nem nas razões políticas que a inspiraram. O art. 29 não diz que a ação privada será admitida nos crimes de ação pública se o Ministério Público não age no prazo legal, se o Ministério Público fôr desidioso, se nada fizer, mas, sim, afirma: ‘será admitida ação penal privada nos crimes de ação pública se esta não fôr intentada no prazo legal’. E é claro que se o Ministério Público pede o arquivamento, durante o prazo da denúncia ou depois dele, pouco importa, não intenta a ação penal no prazo da lei” (Comentários ao Código de Processo Penal, vol. I, tomo 2, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 56. Textual).

[67] Segundo Paulo José da Costa Jr., “negligência é uma forma de culpa in ommitendo. O agente não faz o que deveria fazer (…). A imprudência, ao contrário, é uma modalidade de culpa in agendo: o agente faz o que não deve (…). A imperícia é a culpa técnica, em que o agente se mostra inabilitado para o exercício de determinada profissão, embora possa estar credenciado por diploma, que não passa de mera presunção de competência” (Código Penal Comentado, 9ª ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: DPJ Editora, 2007, p. 74).

[68] Código Penal – Art. 18. (…) Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

[69] Art. 197. Exercer ou anunciar que exerce, ainda que a título gratuito, qualquer profissão ou atividade econômica regulamentada, sem preencher as condições a que por lei está subordinado seu exercício, ou sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena – prisão, de seis meses a dois anos. § 1º. Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplicasse também multa. § 2º. Incorre nas mesmas penas quem exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus de que foi suspenso ou privado por decisão administrativa ou judicial.

[70] Artigos 322 e 350 do Código Penal e Lei nº 4.898/65, que trata do crime de abuso de autoridade.

[71] Para que a proteção seja efetiva, a norma incriminadora deve conter dois preceitos básicos: “o preceito principal – preceptum juris –, que é a descrição da conduta delituosa, e o preceito secundário – sanctio juris –, em que vem cominada a pena ao infrator da lei, que praticou a ação descrita no preceptum juris” (CASTELO BRANCO, Fernando. A Pessoa Jurídica no Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 126).

[72] Desde que necessariamente corrigidos os equívocos apontados.