Sistema financeiro e combate à lavagem de dinheiro
Artigo publicado na Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, V. 53 – Ed. RT, jul-set de 2011.
Autor: Tales Castelo Branco
RESUMO: Este artigo pretende analisar o papel do sistema financeiro no combate à lavagem de dinheiro, examinando, para isso, a legislação internacional e nacional existente acerca do tema, além de outros aspectos regulatórios sobre a questão.
ABSTRACT: This article analyzes the role of the financial system in fighting money laundering, examining for that, the existing international and national legislation on the subject, and other regulatory aspects.
KEYWORDS: Lavagem de dinheiro. Sistema financeiro. Lei no 9.613/98. Customer due diligence (CDD).
SUMÁRIO: Introdução; I – O direito internacional e a lavagem de dinheiro; II – O crime de lavagem de dinheiro; III – Lei no 9.613/98: a tipificação da lavagem de dinheiro no Brasil; IV – Controle da atividade financeira: as obrigações previstas na Lei no 9.613/98; V – Medidas adicionais adotadas pelas instituições financeiras: Customer due diligence (CDD); VI – Conclusão; Bibliografia.
INTRODUÇÃO
A lavagem de dinheiro é um problema das sociedades contemporâneas, e vem se agravando à medida que a internacionalização das atividades financeiras e o desenvolvimento tecnológico tornam possível a estruturação de esquemas cada vez mais complexos para permitir que os criminosos possam utilizar o produto de seus crimes.
Por essa razão, seu combate depende, em grande parte, do compartilhamento de informações, tanto entre os órgãos fiscalizadores e os agentes financeiros, quanto entre os próprios países, num esforço conjunto e orquestrado para identificar, bloquear e recuperar os ativos ilícitos.
Essa inquietação, porém, não é nova. Ao contrário, permeia, há séculos, o Direito Penal.
Como anotou Tigre Maia, “o poder, a cobiça e a ganância são os motivadores essenciais da atividade criminosa, e, superada a primeira etapa, qual seja, encerrada a prática dos crimes que concretizem tais escopos e assegurada a aquisição do lucro sujo, a meta passa a ser de como usufruir com segurança e tranquilidade dos ganhos ilegais, legitimando-os”[1].
Na Grécia antiga, era comum a máxima de que “ambos são ladrões, tanto quem recebeu quanto quem roubou”[2]. Em Roma, Sêneca, por sua vez, asseverava: “Cui prodest scelus, is fecit” (“comete o crime quem dele tira proveito”)[3].
A tentativa de impedir o uso do produto de um crime já figurava, aliás, no direito romano, quando surgiu, no período justinianeu, o crimen extraordinarium receptatorum, compreendendo a receptação pessoal (receptatio latronum) e a receptação real, relativa às coisas provenientes de furto. Na época, a pena do receptador era equiparada à do ladrão, em razão da cumplicidade subsequente[4].
Com a criminalização da receptação, percebe-se, desde tempos remotos, a mesma preocupação que norteia toda a legislação relativa à lavagem de dinheiro: coibir o usufruto do produto do crime.
Além da receptação, atualmente prevista no artigo 180 do Código Penal[5], o perdimento “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”[6], como efeito da sentença penal condenatória, é outro exemplo de medida destinada a dificultar o usufruto dos bens e valores adquiridos por meios ilícitos. Não por acaso, disposição similar foi incluída na atual lei brasileira de combate à lavagem de dinheiro[7].
É a partir do século passado, no entanto, que as noções norteadoras do combate ao uso de bens e valores oriundos de crimes tornam-se ultrapassadas, à medida em que avançou a influência e alcance das “organizações criminosas”.
Apesar de tratar-se de uma expressão que não contém, em si, qualquer definição jurídica, e que segue, no Brasil, sem conceituação legal, tornando-se uma verdadeira figura de linguagem[8], a organização criminosa diferencia-se da prática organizada de delitos pela aproximação da ideia de instituição criminosa[9].
No entender de Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, “sem dúvida, há semelhanças entre instituição e crime organizado. Afinal, ambos perduram no tempo, compõem-se de pessoas com objetivos comuns e personificam uma organização, que passa a ter autoridade e hierarquia para estabelecer regras e dirimir conflitos, inclusive. (…) Aproxima-se, também, o crime organizado, da noção de empresa, a medida que a atividade criminosa exibe-se como negócio (business), com o propósito de gerar o máximo de lucro, em determinado território ou setor da economia”[10].
São essas organizações criminosas[11] que, agindo ao redor do mundo, aperfeiçoaram, de maneira drástica, as técnicas de aproveitamento dos produtos de seus crimes, permitindo a ampliação e perpetuação de suas atividades ilícitas.
Para enfrentar essas organizações, não bastavam apenas as medidas conhecidas, mas, também, incriminar o próprio emprego desses ativos pelo criminoso e por terceiros: incriminar a própria lavagem do dinheiro[12].
I – O DIREITO INTERNACIONAL E A LAVAGEM DE DINHEIRO
Com a percepção de que a lavagem de dinheiro, por seu caráter transnacional, só poderia ser efetivamente combatida com o esforço sincronizado dos diversos países, por meio de uma eficiente cooperação internacional, passa a ser elaborada, na década de 1980, uma legislação própria, destinada a prevenir e reprimir sua prática.
Em matéria bancária, surge, em 1980, a Recomendação no (80) 10 do Comitê do Conselho da Europa, relativa a medidas contra a transferência e encobrimento de capitais de origem criminosa e, em 1988, a Declaração dos Princípios da Basileia, na Suíça, sobre a prevenção da utilização do sistema bancário para a lavagem de fundos de origem criminosa, que devem ser mencionadas como marcantes por seu conteúdo transnacional.
O primeiro marco relevante, em matéria penal, porém, ocorre em dezembro de 1988, com a Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, que ficou conhecida como Convenção de Viena.
Essa norma foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e contou com a participação de mais de cem países, conferindo-lhe grande importância política.
No Brasil, a Convenção de Viena foi ratificada pelo Decreto no 154, de 26.6.1991.
Dentre seus méritos, está a exigência, pela primeira vez, de que os Estados criminalizassem a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico ilícito de entorpecentes. Sugerindo um detalhado tipo penal (artigo 3.1, b, i e ii, e c, i[13]), estabeleceu a previsão de agravamento da pena para os agentes que participem de organizações criminosas (artigo 3.5, a e b[14]), dispôs sobre a inversão da prova da origem dos bens do investigado (artigo 5.7)[15], dentre outras inovações.
No ano seguinte, 1989, foi criado, pelo grupo dos sete países mais industrializados (G-7[16]), com o propósito de combater a lavagem de dinheiro, um dos mais importantes organismos internacionais, o Financial Action Task Force, ou Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI). O Brasil é membro do GAFI desde 2000 e diversas organizações internacionais participam das reuniões plenárias do Grupo, como o FMI, Interpol, Europol, Comissão Europeia e Conselho de Cooperação do Golfo, revelando sua grande relevância[17].
A grande contribuição do GAFI para o combate à lavagem de dinheiro deu-se em 1990, com a edição de suas 40 Recomendações que, apesar de não possuírem caráter obrigatório, regulam conjuntamente questões penais, financeiras e de cooperação internacional e servem de modelo para as ações internacionais.
Adiante, no capítulo V, trataremos das principais recomendações aplicáveis ao sistema financeiro, principalmente no que concerne ao dever de vigilância relativo à clientela (“customer due diligence” – CDD) e de conservação de documentos e declaração de operações suspeitas[18].
Também em 1990 foi aprovada a Convenção do Conselho da Europa referente
à busca, apreensão e confisco de produtos de crime (Convenção de Estrasburgo). Entrou em vigor apenas em 1993, e sua principal inovação foi ampliar o rol dos crimes antecedentes à lavagem, antes restrito ao tráfico ilícito de entorpecentes, a outros crimes que geram proveito econômico. Além disso, houve “imprescindível preocupação em impor, com o emprego de métodos eficazes e efetivos, a perda do produto do crime, sabidamente um dos mais importantes e eficazes instrumentos de combate a estes tipos de conduta”[19].
Por fim, em dezembro de 2000 foi firmada a Convenção das Nações Unidas contra a Delinquência Organizada Transnacional (Convenção de Palermo).
A Convenção prevê, dentre outras coisas, que o conceito de crime antecedente deve ser ampliado para o maior número de crimes possíveis, especialmente aqueles considerados graves[20]; definição de organização criminosa[21]; determinação de que seja criminalizada a corrupção e medidas para combatê-la; responsabilidade das pessoas jurídicas; cooperação internacional para efeitos de confisco e a disposição desses bens; assistência judiciária e cooperação recíproca; proteção das testemunhas; e a instituição de Unidades de Inteligência Financeira.
A Convenção de Palermo foi ratificada pelo Brasil em 2003, pelo Decreto no 231.
Com base na evolução do combate à lavagem de dinheiro, que refletiu a elaboração dos diplomas legais tratados anteriormente, muitos dividem as legislações penais em três gerações. Na primeira, “os bens, direitos e valores só podem ser provenientes de crimes de narcotráfico. Para a de ‘segunda geração’, o objeto material também pode proceder de outros crimes graves. No caso da legislação chamada de ‘terceira geração’ os bens, direitos ou valores podem ser oriundos de qualquer crime”[22].
Porém, esse é um equívoco cometido inclusive pelo legislador brasileiro, para quem a Lei no 9.613/98 seria de segunda geração.
Na verdade, Tigre Maia alerta que essa classificação foi inicialmente proposta por Günther Arzt ao analisar a legislação norte-americana, distinguindo os momentos histórico-evolutivos:
– primeira geração: não havia a delimitação para o problema da lavagem como conhecemos, razão pela qual a repressão era feita pela imputação de crimes cuja generalidade permitia alcançar as ações necessárias para a lavagem (conspiração e declaração falsa prestada a funcionário nos EUA; receptação e favorecimento nos países de civil law);
– segunda geração: criação de normas que permitissem seguir a “trilha do papel” (paper trail), identificando a origem do dinheiro por meio de regras que controlavam sua circulação (mitigação do sigilo bancário, dever de os bancos informarem movimentações suspeitas, etc.).
– terceira geração: criação de tipos penais específicos destinados à repressão da própria lavagem de dinheiro[23].
II – O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Podemos encontrar diversas definições, na doutrina pátria ou internacional, para o termo “lavagem de dinheiro”, que acabou consagrado[24].
Tigre Maia resume bem o conceito jurídico do instituto: “A ‘lavagem’ de dinheiro pode ser simplificadamente compreendida, sob uma perspectiva teleológica e metajurídica, como o conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da Justiça”[25].
Verifica-se, portanto, que a lavagem de dinheiro, na verdade, constitui-se de uma sequência de operações que obedecem a três fases distintas.
Numa primeira etapa, conhecida por placement, ocorre a ocultação inicial dos valores. Aquele que obteve o dinheiro de forma ilícita, pela prática de crime antecedente, aplica os recursos em diversos locais, com a participação, normalmente involuntária, de instituições financeiras tradicionais (bancos) ou não tradicionais, como corretores de valores, vendedores de metais preciosos ou obras de artes, casas de câmbio etc. Pode ocorrer, ainda, a aquisição de bens móveis ou imóveis ou de negócios, preferencialmente com intenso fluxo de caixa. Pretende-se, assim, conseguir a separação física entre os criminosos e os produtos de seus crimes.
Como nota Raúl Cervini, é nessa fase que os controles bancários devem estar especialmente atentos às operações que fujam aos padrões de seus clientes, pois as instituições financeiras podem ser involuntariamente expostas a serem usadas, em maior ou menor medida, por organizações criminosas, e isso constitui um risco corporativo cujo controle deve ser preocupação prioritária da comunidade financeira internacional. Além do compromisso ético, as instituições financeiras devem preocupar-se com a possibilidade de: perder a confiança pública, acarretando-lhe evidentes prejuízos; confisco de ativos de origem criminosa, abalando sua saúde financeira; e até sanções administrativas e penais[26].
Importante notar que a participação involuntária de agentes financeiros, nessas operações, não implica, à luz da legislação brasileira, participação penalmente punível no crime de lavagem de dinheiro.
André Luís Callegari explica que, “(…) nos casos dos agentes financeiros, ou seja, pessoas que trabalham em entidades deste tipo, não haverá conduta típica se o sujeito, quando da realização do seu trabalho, não agir com a finalidade de ocultar ou dissimular a origem dos bens. Além disso, como já foi dito, deverá também conhecer a origem delitiva da qual procede o bem. Sem estes pressupostos, não há que se falar em conduta punível”[27].
A segunda etapa da lavagem de dinheiro consiste na dissimulação ou layering.
Nesse momento, os grandes volumes inseridos no mercado financeiro, na fase anterior, devem ser diluídos, disseminados por meio de operações e transações variadas e sucessivas, no país ou no exterior, envolvendo multiplicidade de contas e titulares.
Ao mesmo tempo, pretende-se estruturar nova origem do dinheiro sujo, aparentemente legítima. Essa etapa seria a “lavagem” propriamente dita.
Finalmente, temos a terceira e derradeira fase do processo de lavagem de dinheiro: a integração ou integration. Trata-se do emprego dos ativos criminosos no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição e investimento em negócios lícitos ou pela simples compra de bens. A essa altura o dinheiro já está “limpo”.
III – LEI No 9.613/98: A TIPIFICAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL
Atendendo às disposições das convenções de que já era signatário[28], em março de 1998 o Brasil passa a contar com a Lei no 9.613/98, que “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências”.
A lei de lavagem de dinheiro está estruturada em nove capítulos. O capítulo I remete a matérias de Direito Penal Especial, o II a Direito Processual Penal, o III a Direito Penal Geral, o IV a Direito Penal Internacional, os capítulos VI, VII e VIII destinam-se a regular o sistema financeiro e o IX cria e dispõe acerca do Conselho de Controle das Atividades Financeiras.
Seu primeiro artigo tipificou o crime de lavagem de dinheiro.
Conforme anotou-se na exposição de motivos da lei, “a redação dada ao caput do art. 1o responde à experiência e técnica vitoriosas em direito comparado, encontrando-se tal tipificação na Alemanha (§ 261 do Código Penal), na Bélgica (§ 4o do art. 505 do Código Penal, introduzido por Lei de 17 de julho de 1990), na França (art. 222-38 e 324-1 do Código Penal, redigidos pela Lei no 96-392 de 13 maio de 1996), no México (art. 400 bis do Código Penal, alterado em 13 de maio de 1996), em Portugal (alínea b do item 1 do art. 2o do Decreto-Lei no 325, de 2 de dezembro de 1995) e na Suíça (art. 305 bis do Código Penal, introduzido por Lei de 23 de março de 1990), dentre outros. Além do mais, o texto responde às recomendações internacionais (alínea ii da letra b do art. 3o da Convenção de Viena; e o no 3 do art. 2o do Regulamento Modelo da CICAD)”.
O caput do artigo 1o da Lei no 9.613/98 prevê: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente” dos crimes antecedentes, elencados nos incisos I a VIII[29].
Como bem anotou Roberto Delmanto, há grande divergência, na doutrina, acerca do bem juridicamente tutelado pela lei de lavagem. Para alguns, como Luiz Flávio Gomes, Pitombo e José Laurindo de Souza Netto, o objeto jurídico seria a ordem socioeconômica e o sistema financeiro. Para José Davin Neves dos Santos, seria a transparência e a integridade do sistema econômico-financeiro. Rodolfo Tigre Maia, por sua vez, aponta como objeto jurídico, predominantemente, a administração da justiça, sem prejuízo à ofensa dos bens jurídicos de cada um dos crimes antecedentes, enquanto outros também citam a administração da justiça, na medida em que seriam combatidos os crimes antecedentes[30].
Interessante, a esse respeito, o posicionamento adotado por Delmanto, segundo quem o crime de lavagem de dinheiro é “nada mais do que uma forma especial do crime de favorecimento real, previsto como crime no art. 349 do CP (…). Desse modo, afigura-se inquestionável que o bem juridicamente tutelado – pela própria menção ao crime antecedente – é, em primeiro plano, a Administração da Justiça, com especial ênfase na garantia de eficácia ao efeito genérico da condenação pela prática do crime antecedente (…). Ao fazê-lo, a presente lei, de forma correlata, objetiva também o desbaratamento de estruturas criminosas formadas, até mesmo com certo profissionalismo, justamente para esconder o produto de determinados crimes, cometidos aqui ou no exterior (tem-se, aqui, um exemplo de colaboração internacional), sempre com o escopo de impedir ou dificultar que riquezas de origem espúria sejam confiscadas e, assim, que os criminosos delas façam proveito”[31].
O objeto material da lavagem de dinheiro, como a própria lei prevê, são os “bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime”.
A interpretação desses conceitos normativos deve ser feita de acordo com a Convenção de Viena, onde se previu que “por bens se entendem os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos legais que confirmam a propriedade ou outros direitos sobre os ativos em questão”[32].
Os bens, direitos ou valores devem ser, necessariamente, produto de um dos crimes previstos no rol do artigo 1o da Lei, e precisam ser passíveis de individualização. Incluem-se, como se depreende da definição acima referida, os direitos societários, hereditários, mobiliários, know-how etc. Ademais, ao contrário da receptação, que só se admite para bens móveis, abrange também os bens imóveis.
A lavagem de dinheiro é um delito acessório, pois, para sua configuração, é essencial a ocorrência prévia de um crime anterior, como ocorre com a receptação.
Apesar disso, é um crime autônomo, como percebe-se pela própria leitura do artigo 2o, II, da Lei no 9.613/98[33] e, assim como ocorre na receptação, configura-se ainda que ignorada a autoria dos crimes antecedentes, sejam isentos de pena seus autores ou mesmo quando tenham sido absolvidos[34], salvo, evidentemente, quando reconhecida a inexistência do fato ou sua atipicidade[35].
O legislador valeu-se de tipo misto alternativo, bastando para a configuração do crime a incidência em um dos atos previstos no caput. A subsunção a mais de uma ação nuclear não implica na pluralidade de crimes. Do mesmo modo, a “lavagem” de inúmeros bens oriundos do mesmo crime caracteriza apenas uma infração[36].
Os verbos utilizados (ocultar e dissimular) refletem a intenção de criminalizar as ações necessárias para proporcionar a separação física entre o criminoso e o produto do crime.
Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime de lavagem, até porque, em geral, quem o comete é exatamente o autor do crime antecedente, que busca, com isso, usufruir do produto de sua ação ilícita. Delmanto, porém, entende que a “lavagem” praticada pelo autor do crime antecedente é atípica, pois configuraria verdadeiro bis in idem[37].
O tipo é material, pois “não é suficiente ocultar os bens para perpetrar a conduta típica. Mostra-se necessário ocultar ou dissimular a origem espúria deles, fazendo com que venham a circular na economia. Tal circulação de bens ilícitos deve atingir a confiança ou a credibilidade nos negócios jurídicos”[38], e as ações podem redundar em crime permanente, ganhando relevância para questões de prescrição (art. 111, III, do Código Penal: inicia-se com a cessação da permanência), lugar do crime (art. 71 do Código de Processo Penal: prevenção), sucessão de lei penais no tempo (vale a lei do momento em que se encerra a permanência, ainda que mais grave) e prisão em flagrante[39].
Admite-se tentativa, como prevê o artigo 1o, § 3o, da Lei, apesar de sua dificuldade prática.
Exige-se, para sua configuração, o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de ocultar ou dissimular, sendo imprescindível o conhecimento de que os bens, direitos ou valores originaram-se de um dos crimes antecedentes: “Não se está, de qualquer maneira, a exigir que o agente conheça quem, de que modo, porque, quando e em que lugar se deu o crime antecedente. O importante é ter ciência da ocorrência de determinado fato, o que originou os bens, aptos a serem objeto da conduta subsequente”[40]. Sem que isso ocorra, a conduta do agente é atípica.
Obviamente, não há espaço para o chamado dolo subsequente, ou seja, para a hipótese de o agente tomar consciência da origem ilícita após a realização da conduta, salvo se o agente reiterar os atos típicos.
Não foi prevista a forma culposa de lavagem de dinheiro.
A pena prevista é bastante elevada, de 3 a 10 anos de reclusão, e desprovida de qualquer embasamento lógico-jurídico. Segundo a exposição de motivos da lei, guardaria relação com a pena prevista para os crimes de tráfico de entorpecentes e a “solução adotada na Argentina e em Portugal”.
Há casos, porém, em que a pena é absolutamente desproporcional em relação ao crime antecedente. Em outros países, quando isso ocorre, há diminuição da pena de lavagem. Na Itália, a pena, de 4 a 12 anos, é reduzida quando a pena máxima do crime antecedente é inferior a 5 anos. A França tem pena mais moderada, 1 a 5 anos, com causa de redução para os patamares do crime antecedente. Portugal também adota essa previsão.
A análise aprofundada dos crimes antecedentes, taxativamente previstos nos incisos I a VIII do artigo 1o da Lei no 9.613/98[41], mereceria um capítulo à parte.
Como isso fugiria do escopo do presente estudo, apontaremos, a seguir, as principais críticas colhidas na doutrina.
Adotando marcante ecletismo ilógico, o legislador arrolou como antecedentes tipos penais especificamente indicados na norma penal vigente (incisos I, III e IV), crimes indicados por sua classificação relacionada ao bem jurídico tutelado (incisos V e VI), crimes relacionados não ao ilícito em si, mas ao sujeito ativo (inciso VII) e crimes que sequer existem, como tal, em nosso ordenamento jurídico (inciso II).
O inciso II, que prevê o terrorismo e seu financiamento como crime antecedente, praticamente não tem aplicação. Nosso ordenamento jurídico não prevê o crime de terrorismo. O art. 20 da Lei no 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional) contém a expressão “atos de terrorismo”, mas, à falta de definição legal, utilizá-lo fere o princípio da reserva legal[42].
A única hipótese que vislumbramos para sua aplicação seria no caso de crimes de terrorismo e seu financiamento cometidos no exterior, em países que contemplem esse figura típica.
Outra hipótese de violação ao princípio da reserva legal pode ser encontrada no inciso VII, que prevê a lavagem de dinheiro de crime “praticado por meio de organização criminosa”. Não há, porém, uma definição, na legislação brasileira, para organização criminosa.
Conforme anota, com acuidade, Pitombo, “embora possuam a previsão de quadrilha ou bando no CP (art. 288) e os dispositivos da lei especial quanto à matéria ( Lei 9.034/1995 com as alterações da Lei 10.217/2001), tais disposições não suprem a necessidade de tipo legal”[43].
Com relação aos “Crimes contra a Administração Pública” (primeira parte do inciso V), estão incluídos “crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral”[44], como peculato, concussão e corrupção ativa, “crimes praticados por particular contra a administração em geral”[45], por exemplo o tráfico de influência, corrupção ativa e contrabando ou descaminho, “crimes contra a administração da justiça” [46], falso testemunho ou falsa perícia, e outros, como os tipos penais da Lei de Licitações[47].
Esse inciso é muito criticado em função de sua ampla abrangência, incluindo crimes de pequena lesividade, o que enfraquece a função de garantia da norma incriminadora e por incluir crimes que sequer propiciam a aquisição de bens passíveis de lavagem de dinheiro (ex. abandono de função, resistência, desacato). Sua segunda parte é ainda pior[48], quer por se incluir no objeto jurídico já enunciado, quer por não corresponder a qualquer tipo penal existente (aproxima-se da corrupção passiva e da concussão)[49].
Finalmente, o desleixo legislativo pode ser mais uma vez percebido pela redação do artigo VI, que prevê como crimes antecedentes aqueles praticados “contra o sistema financeiro nacional”[50], pois, de novo, acaba-se fazendo referência a crimes que não podem ser pressuposto para a lavagem de dinheiro, por não resultarem, direta ou indiretamente, na aquisição de bens, direitos ou valores.
Ampliando as hipóteses de aplicação do crime previsto no caput do artigo 1o da Lei no 9.613/98, foram criados três tipos penais derivados daquele.
O primeiro, prevê a incriminação para quem converte ativos ilícitos em lícitos[51].
O segundo, criminaliza as operações e movimentação dos ativos ilícitos[52].
O terceiro tipo penal trata do subfaturamente e sobrefaturamente nas operações de importação e exportação[53].
IV – CONTROLE DA ATIVIDADE FINANCEIRA: AS OBRIGAÇÕES PREVISTAS NA LEI No 9.613/98
A Lei no 9.613/98, além de criminalizar a lavagem de dinheiro, criou nossa Unidade de Inteligência Financeira.
Os artigo 14 a 17 disciplinam o funcionamento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, órgão do Ministério da Fazenda.
Conforme dispõe a lei, sua incumbência é “disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei”[54].
Além disso, o COAF deve coordenar os mecanismos de cooperação e de troca de informações, e a participação do Brasil em diversos organismos internacionais, como o GAFI, GAFISUD[55] e Grupo de Egmont[56].
O trabalho do COAF, porém, depende, em grande parte, da cooperação das instituições financeiras.
Como já dissemos, o combate à lavagem de dinheiro decorre, primordialmente, do compartilhamento de informações.
Assim, a Lei no 9.613/98 previu que as pessoas referidas em seu artigo 9o[57], incluídas aí as instituições financeiras, devem adotar uma série de medidas para identificar seus clientes[58]; manter registros atualizados das operações que excederem determinados valores[59]; e comunicar ao COAF operações financeiras que “constituam sérios indícios” da prática de lavagem de dinheiro[60] ou ultrapassarem um limite pré-estabelecido[61].
Para que não seja frustrada a função precípua das comunicações ao COAF, é proibido comunicá-las aos clientes[62].
O descumprimento das obrigações previstas em lei levam à responsabilidade administrativa das instituições financeiras e da demais pessoas físicas e jurídicas previstas em seu artigo 9o, sujeitando-as a penas que vão de advertência à cassação definitiva da autorização de funcionamento, além de multa[63].
V – MEDIDAS ADICIONAIS ADOTADAS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS: CUSTOMER DUE DILIGENCE (CDD)
A própria Lei no 9.613/98 atribuiu grande importância às instituições financeiras no combate à lavagem de dinheiro.
Além das hipóteses de comunicação compulsória de operações que ultrapassem determinados valores, os bancos devem estar atentos a todas aquelas que levantem suspeitas, observando, para isso, critérios absolutamente subjetivos.
Para que isso ocorra de forma eficiente, é necessário conhecer algumas das recomendações do GAFI, adotando-as como critérios norteados para a atuação no mercado financeiro.
A principal recomendação é a de número 5, que trata do “dever de vigilância à clientela (‘customer due diligence’ – CDD) e de conservação de documentos”.
Algumas das previsões ali contidas devem ser obrigatoriamente observada no Brasil, por força de imposição legal, como, por exemplo, não manter contas anônimas nem contas sob nomes manifestamente fictícios[64].
Outras, porém, servem de diretrizes para o estabelecimento dos procedimentos para identificação e conhecimento das atividades dos clientes de instituições financeiras, ou, como convencionou-se chamar, acatando a terminologia inglesa, “know your customer – KYC”.
Conforme dispõe a quinta recomendação do GAFI, deve-se adotar uma diligente investigação acerca dos clientes, sejam eles novos ou antigos.
As medidas de vigilância relativas à clientela (‘customer due diligence’) são as seguintes:
- a) Identificar o cliente e verificar a sua identidade através de documentos, dados e informações de origem credível e independente;
- b) Identificar o beneficiário efetivo e tomar medidas adequadas para verificar a sua identidade, de tal forma que a instituição financeira obtenha um conhecimento satisfatório sobre a identidade do beneficiário efetivo. No que respeita às pessoas coletivas e entidades sem personalidade jurídica, as instituições financeiras deveriam tomar medidas adequadas para compreender a estrutura de propriedade e de controlo do cliente;
- c) Obter informação sobre o objeto e a natureza da relação de negócio;
- d) Manter uma vigilância contínua sobre a relação de negócio e examinar atentamente as operações realizadas no decurso dessa relação, verificando se são consistentes com o conhecimento que a instituição tem do cliente, dos seus negócios e do seu perfil de risco, incluindo, se necessário, a origem dos fundos.
O próprio GAFI estabelece que o alcance de tais medidas pode variar, “em função do nível de risco associado ao tipo de clientela, à relação de negócio ou à operação”, mas que, para as categorias de risco mais elevadas, as instituições financeiras devem aplicar medidas rigorosas de vigilância ao passo que, em “circunstâncias determinadas, quando os riscos são menores, os países podem autorizar as instituições financeiras a aplicar medidas reduzidas ou simplificadas”.
Quando não for possível cumprir satisfatoriamente as diretrizes acima elencadas, a recomendação é de que não deva ser aberta a conta, efetuada a operação ou, até mesmo, que seja encerrada a relação negocial, cogitando-se, inclusive, comunicar o fato à Unidade de Inteligência Financeira competente.
VI – CONCLUSÃO
O papel das instituições financeiras no combate à lavagem de dinheiro é fundamental, tendo em vista que são elas quem primeiro terão contato com o produto criminoso que se tentará “lavar” e reverter à economia formal, com aparência de lícito.
Por isso, o trabalho de inteligência interna, apoiando as Unidades de Inteligência Financeira e fornecendo-lhes subsídios para suas atuações é indispensável.
Porém, mais do que cumprir as determinações obrigatórias contidas na Lei no 9.613/98, a criação e desenvolvimento de processos de “customer due diligence – CDD” e “know your customer” são importantíssimos.
Ainda que as recomendações do GAFI não possuam caráter cogente, sua obediência é necessária para que as instituições financeiras contribuam de forma efetiva e determinante para o combate à lavagem de dinheiro.
Além disso, o rigoroso cumprimento de tais deveres evita que paire dúvida sobre o eventual envolvimento (doloso ou a título de dolo eventual) das instituições financeiras e seus agentes com crimes praticados por usuários do sistema.
BIBLIOGRAFIA:
BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
CALLEGARI, André Luís. Direito Penal econômico e lavagem de dinheiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
______________. Participação (punível) de agentes financeiros, in FRANCO, Alberto Silva; e NUCCI, Guilherme de Souza, organizadores. Doutrinas Essenciais – Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
CASTELO BRANCO, Tales. Da prisão em flagrante. 5a edição. São Paulo: Saraiva, 2001.
CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: comentários à lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
DELMANTO, Roberto et. al. Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
GILMORE, William C. Dirty Money: The Evolution of Money Laundry Countermeasures. Strasbourg: Concil of Europe Publishing, 1999.
GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: aspectos processuais. In Boletim do IBCCrim no 65, abril de 1998.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955.
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2a edição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 1a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
NEVES DOS SANTOS, José Davin. O branqueamento de capitais em Portugal. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 11, no 44, out-dez de 1998.
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
REALE JÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. RBCC, no 13, jan-mar de 1996.
SOUZA NETTO, José Laurindo. Lavagem de Dinheiro. Curitiba: Juruá, 2000.
TOSI, Renzo. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
[1] MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. 1a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 21.
[2] TOSI, Renzo. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 521.
[3] Idem, p. 514.
[4] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955, v. VII, p. 294.
[5] A redação atual foi dada pela Lei no 9.426/96:
“RECEPTAÇÃO- Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
RECEPTAÇÃO QUALIFICADA
- 1o – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.
- 2o – Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.
- 3o – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
- 4o – A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.
- 5o – Na hipótese do § 3o, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2o do art. 155.
- 6o – Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro”.
[6] Artigo 91, II, b, do Código Penal.
[7] Artigo 7o, I, da Lei no 9.613/98: “São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I – a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime previsto nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé”.
[8] CASTELO BRANCO, Tales. Da prisão em flagrante. 5a edição. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 217.
[9] REALE JÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. RBCC, no 13, jan-mar/1996, p. 182-3.
[10] PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 24-5.
[11] “A título de exemplo, podem-se observar as múltiplas ramificações entre as máfias italianas (Camorra, Cosa Nostra, N’dranghetta, Sacro Corona Unita), a máfia japonesa Yakusa, o crime organizado norte-americano, as organizações criminosas russas, os cartéis colombianos, as tríades orientais, as gangues nigerianas, dentre outras” (Idem, p. 27).
[12] “O termo lavagem de dinheiro é relativamente recente. Aparentemente foi cunhado pelos agentes policiais norte-americanos e passou a ser popularmente usado durante o inquérito do Caso Watergate, nos Estados Unidos, no meio da década de 1970. A expressão parece ter sido utilizada com sentido legal ou jurídico pela primeira vez também nos Estados Unidos, apenas em 1982, no caso US contra $4.255.625,39. Desde então, passou a ser amplamente aceita nacional e internacionalmente, sendo extensamente utilizada, por exemplo, na Convenção Europeia sobre Lavagem, Busca, Apreensão e Confisco de Produtos de Crime, em 1990.” (GILMORE, William C. Dirty Money: The Evolution of Money Laundry Countermeasures. Strasbourg: Concil of Europe Publishing, 1999, p. 20. Nossa Tradução).
[13] “1. Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente:
(…) b) i) a conversão ou a transferência de bens, com conhecimento de que tais bens são procedentes de algum ou alguns dos delitos estabelecidos no inciso a) deste parágrafo , ou da prática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do delito ou delitos em questão, para fugir das consequências jurídicas de seus atos;
- ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou de participação no delito ou delitos em questão;
- c) de acordo com seus princípios constitucionais e com os conceitos fundamentais de seu ordenamento jurídico;
- i) a aquisição, posse ou utilização de bens, tendo conhecimento, no momento em que os recebe, de que tais bens procedem de algum ou alguns delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou de ato de participação no delito ou delitos em questão”.
[14] “As Partes assegurarão que seus tribunais, ou outras autoridades jurisdicionais competentes possam levar em consideração circunstâncias efetivas que tornem especialmente grave a prática dos delitos estabelecidos no parágrafo 1 deste Artigo, tais como:
- a) o envolvimento, no delito, de grupo criminoso organizado do qual o delinquente faça parte;
- b) o envolvimento do delinquente em outras atividades de organizações criminosas internacionais”.
[15] “Cada Parte considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à origem lícita do suposto produto ou outros bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja compatível com os princípios de direito interno e com a natureza de seus procedimentos jurídicos e de outros procedimentos”.
[16] Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.
[17] BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edilson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 17-8.
[18] Recomendações nos 5 a 16 do GAFI.
[19] BONFIM, Márcia Monassi Mougenot. Op. cit., p. 19.
[20] Artigo 2.b) “Infração grave” – ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior.
[21] Artigo 2.a) “Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
[22] BONFIM, Márcia Monassi Mougenot. Op. cit., p. 25.
[23] MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p.68.
[24] PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35-6.
[25] Op. cit., p. 53.
[26] CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: comentários à lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 84.
[27] Participação (punível) de agentes financeiros, in FRANCO, Alberto Silva; e NUCCI, Guilherme de Souza, organizadores. Doutrinas Essenciais – Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1.070.
[28] Principalmente a Convenção de Viena, de 1988, integrada ao nosso ordenamento legal pelo Decreto no 154, de 26 de junho de 1991.
[29] Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira.
[30] DELMANTO, Roberto et. al. Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 547-51.
[31] Idem, p. 551. Os destaques são do original.
[32] Artigo 1o, c, da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, de 1988.
[33] Art. 2o O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
II – independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país;
[34] Art. 2o, § 1o, da Lei no 9.613/98: “A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”.
[35] Artigo 386, I e III do Código de Processo Penal.
[36] MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 65.
[37] DELMANTO. Roberto et. al. Op. cit., p. 552-3.
[38] PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Op. cit., p. 157.
[39] CASTELO BRANCO, Tales. Op. cit., p. 66-70.
[40] PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Op. cit., p. 143.
[41] Art. 1o – Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira.
[42] “O postulado da Reserva Legal está claramente prescrito no artigo 5o XXXIX da Constituição Federal vigente, e o seu teor é o seguinte: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. (…) em 1813 o princípio em causa ganha a sua enunciação clássica por obra de Ludwing Anselm von Feuerbach, o fundador da ciência penal alemã moderna. A ele se deve a fórmula latina pela qual o postulado é mundialmente conhecido: ‘nullum crime e nulla poena, sine previa lege’” (LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2a edição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 19-20).
[43] Op. cit., p. 116.
[44] Artigos 312 a 326 do Código Penal.
[45] Artigos 328 a 337 do Código Penal.
[46] Artigos 338 a 359 do Código Penal.
[47] Artigos 89 a 98 da Lei no 8.666/93.
[48] “inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos”.
[49] MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., p. 77.
[50] Lei no 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional e dá outras providências.
[51] Artigo 1o , § 1o, I, da Lei no 9.613/98:
“Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
I – os converte em ativos lícitos”.
[52] Artigo 1o , § 1o, II, da Lei no 9.613/98:
“Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere”.
[53] Artigo 1o , § 1o, III, da Lei no 9.613/98:
“Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros”.
[54] Artigo 14, caput, da Lei no 9.613/98.
[55] Financial Action Task Force of South America Against Money Laundering, que possui como membros a Argentina, Bolíva, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.
[56] “Reconhecendo os benefícios inerentes ao desenvolvimento de uma rede de Unidades de Informações Financeiras – UFIs, em 1995, um grupo de UIFs se reuniu no Palácio de Egmont Arenberg, em Bruxelas, e decidiu criar um grupo informal para estimular a cooperação internacional. Agora conhecido como o Grupo Egmont de Unidades de Inteligência Financeira, estas UIFs se reúnem regularmente para encontrar formas de cooperação, especialmente nas áreas de intercâmbio de informação, formação e partilha de conhecimentos” (in www.egmontgroup.org/about. Nossa tradução).
[57] Art. 9o – Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:
I – a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;
II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;
III – a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.
Parágrafo único- Sujeitam-se às mesmas obrigações:
I – as bolsas de valores e bolsas de mercadorias ou futuros;
II – as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;
III – as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;
IV – as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;
V – as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);
VI – as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;
VII – as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;
VIII – as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;
IX – as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;
X – as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;
XI – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades.
XII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie.
[58] Artigo 10, I, da Lei no 9.613/98.
[59] Artigo 10, II, da Lei no 9.613/98.
[60] Artigo 11 da Lei no 9.613/98.
[61] Artigo 11, I, a, da Lei no 9.613/98.
[62] Artigo 11, II, da Lei no 9.613/98.
[63] Artigo 12 da Lei no 9.613/98.
[64] Resolução no 2.025/1993 e posteriores, do Conselho Monatério Nacional.