A Abin e o grampo
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 09.05.2007.
Autor: Frederico Crissiúma de Figueiredo
O sigilo das comunicações é garantia essencial em qualquer Estado Democrático de Direito. No Brasil, a partir da Constituição de 1988, não poderia ser diferente. Por essa razão, foi alçado à condição de direito fundamental. O artigo 5o, XII, da Carta Política, prevê expressamente que “é inviolável o sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”. A seguir, o próprio dispositivo constitucional aponta as únicas hipóteses que excepcionam a regra: “salvo, no último caso [comunicações telefônicas], por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Valendo-nos da premissa constitucional, causa surpresa a proposta apresentada pelo futuro Diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Delegado Paulo Lacerda, ao solicitar ao Congresso a aprovação de lei que autorize o órgão a fazer escutas telefônicas.
A Abin tem suas funções elencadas na Lei no 9.883/99, e presta-se a fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional (art. 1o).
Verifica-se, portanto, a absoluta impossibilidade de a Abin proceder a qualquer interceptação telefônica, ainda que seja elaborada lei que o permita: essa interceptação nunca se prestará, como exige a Constituição Federal, à investigação criminal ou instrução processual penal. Estaríamos diante de manifesta e incontornável inconstitucionalidade. Não há, sequer, possibilidade de emenda constitucional sobre o assunto, por se tratar de cláusula pétrea, imutável.
Não se pode olvidar, por outro lado, que nossa sistemática legal não está preparada para evitar hipotéticos excessos cometidos pela Abin. Ao contrário das polícias civil e federal, sujeitas ao controle externo pelo Ministério Público, a Abin reporta-se diretamente ao Presidente da República, impedindo-se com isso, a efetiva fiscalização de suas atividades.
Por isso, num momento em que se questiona, no mundo inteiro, os limites da atuação estatal, em contraponto aos direitos e garantias individuais dos cidadãos, qualquer medida que pretenda ampliar o poder do Estado deve ser combatida.
Frederico Crissiúma de Figueiredo, Advogado criminalista, é integrante do escritório Castelo Branco Advogados Associados.