Artigo publicado no Anuário 2013 do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, v. 1, p. 60-66

Autores: Fernando Castelo Branco, Frederico Crissiúma de Figueiredo e Gustavo Neves Forte

Em 1º de agosto de 2013 foi sancionada a Lei no 12.846, que entrará em vigor no início de 2014 e trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a administração pública.

A norma, ainda em sua fase de projeto legislativo, foi logo apelidada de Lei Anticorrupção Empresarial, pois estabelece severas sanções administrativas e civis para as empresas que sejam beneficiadas por atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, inclusive decorrentes de corrupção.

A previsão inspira-se em normas internacionais anticorrupção, sobretudo na legislação norte-americana, que possui a mais conhecida e utilizada lei anticorrupção empresarial do mundo. Em termos gerais, a Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior, conhecida pela sigla FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) , proíbe a oferta, promessa ou pagamento de quantia monetária ou qualquer bem de valor a funcionários públicos, candidatos a cargos governamentais ou partidos políticos estrangeiros com o fim de receber vantagem indevida, obter ou manter negócios ou algum tratamento diferencial favorável. A lei veda, inclusive, o “pagamento facilitador”, que representaria uma espécie de “gratificação”, sem a necessidade de explícito pedido de contrapartida ao funcionário público.

No Brasil, a necessidade de uma norma do gênero era premente. Nos últimos anos, as leis aplicáveis apenas aos indivíduos envolvidos em atos ilícitos contra a administração pública (pessoas físicas) não eram suficiente para impedir que tais práticas fossem combatidas pelas empresas.

Por mais que as normas penais relativas à corrupção tenham se tornado mais rigorosas (em 2003, a pena máxima cominada ao crime de corrupção foi elevada de oito para doze anos de reclusão), os principais favorecidos jamais foram atingidos, pois, até agora, punia-se apenas o corruptor e o corrupto (pessoas físicas), sem que isso necessariamente refletisse nas pessoas jurídicas, verdadeiramente beneficiadas pelos atos ilícitos.

Segundo estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia da FIESP, com dados de 2008, os prejuízos econômicos e sociais que a corrupção provoca no País representam de 1,38% a 2,3% do produto interno bruto, podendo atingir a incrível cifra de R$ 69,1 bilhões . De acordo com o ranking da corrupção elaborado em 2012 pela organização não governamental Transparência Internacional (Transparency International – TI), o Brasil ocupa a 69a colocação entre 175 países, obtendo nota 4,3 em uma escala de zero a dez .

O altíssimo custo da corrupção no Brasil prejudica o desenvolvimento da atividade econômica e da livre concorrência, além de refletir-se nas condições sociais da população, já que reduz a eficácia dos recursos distribuídos pelo setor público.

Nesse cenário, é evidente que o controle mais efetivo sobre a corrupção, com punições civis e administrativas impostas às empresas envolvidas, trará inegáveis benefícios ao país, desde que a lei seja realmente colocada em prática.

Não se pode olvidar, porém, certo excesso por parte do legislador, já que a responsabilização objetiva das empresas, levada às últimas consequências, pode acarretar situações em que toda a organização, seus funcionários, administradores e até acionistas sejam prejudicados pela ação isolada de uma única pessoa, causando grande prejuízo a todos.

Os primeiros artigos da Lei no 12.846/12 revelam, de forma inequívoca, a mudança da ótica pela qual se busca o combate à corrupção: a nova norma prevê a responsabilização objetiva das empresas (sejam elas empresas constituídas de fato ou de direito), independentemente da responsabilização penal (subjetiva) de seus dirigentes, ou de qualquer pessoa natural.

As penas cominadas pela Lei Anticorrupção Empresarial são severas e incluem, na esfera administrativa, multa de até 20% (vinte por cento) do faturamento bruto anual da empresa, nunca inferior à vantagem auferida, e, caso não seja possível aferir o faturamento da empresa, a multa poderá chegar a sessenta milhões de reais, independentemente da reparação do dano. Em caso de confusão patrimonial, a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada, estendendo-se os efeitos das sanções impostas à empresa aos seus administradores e sócios com poderes de administração.

No âmbito civil, as punições – que podem ser aplicadas cumulativamente com as penas administrativas – são igualmente rigorosas, podendo ir, desde a suspensão das atividades da empresa e proibição temporária de receber incentivos públicos, até a dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Além disso, em ambos os casos existe a possibilidade de tornar amplamente pública a sentença condenatória e de ocorrer a inclusão de seu nome no novo Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP).

Com isso, impõe-se às empresas um dever de cuidado na condução de seus negócios, uma vez que ela poderá ser responsabilizada por eventuais atos ilegais cometidos por seus funcionários, que tenham efetivamente beneficiado a empresa ou que tenha sido praticados com tal finalidade.
Por todos esses motivos, ganha ainda mais força uma prática que vem se tornando cada vez mais usual no Brasil, que é a implementação de rigorosos protocolos de compliance pelas empresas.

O regulatory compliance, tão em voga atualmente, é o conjunto de práticas e medidas que buscam garantir que os funcionários e administradores das pessoas jurídicas cumpram as normas legais e regulamentares aplicáveis ao negócio, bem como as medidas adotadas para prevenir, evitar, detectar e lidar com eventuais desvios que possam ocorrer. O Departamento Norte-Americano de Saúde e Serviços Humanos elenca seis diretrizes para tornar realmente efetivos os programas de compliance das empresas: indicação de uma pessoa responsável pelas políticas de compliance; implementação de um manual escrito de normas e condutas; treinamento dos funcionários; existência de linhas de comunicação para denúncias; monitoramento e auditoria internos; resposta apropriada às ofensas detectadas e desenvolvimento de ações corretivas .

Em virtude de tudo isso, é imprescindível que as pessoas jurídicas passem a se preocupar com adoção de políticas de administração voltadas ao compliance, estabelecendo procedimentos para reduzir ao máximo a possibilidade de que dirigentes, funcionários, prestadores de serviços ou mesmo terceiros contratados possam cometer qualquer ato ilegal que reflita, de forma objetiva, na empresa.

É evidente, nesse contexto, o enorme campo de atuação que se vislumbra para os escritórios de advocacia. São os advogados que têm capacitação técnica e conhecimento para identificar as necessidades de cada empresa, pois a complexidade de nossa legislação e a quantidade de condutas potencialmente ilícitas revelam a imprescindível necessidade de que seja realizado um trabalho profissional na avaliação e prevenção dos riscos a que a empresa está exposta. Além disso, não se pode olvidar a importância de analisar não só os riscos administrativos e cíveis, mas, também, o risco de práticas que podem caracterizar a prática de crimes: é importante lembrar que o conceito de crime não está mais restrito às ações violentas. Atualmente, os crimes econômicos, fiscais e as medidas que visam coibir a lavagem de dinheiro muitas vezes diferenciam-se de forma muito tênue do mero ilícito civil.

Finalmente, devemos dedicar algumas linhas às consequências que a Lei no 12.846/2013 trará diretamente aos advogados e escritórios de advocacia.

A principal delas decorre do artigo 5o, V, da Lei Anticorrupção, no qual está previsto que será considerado ato lesivo à administração pública “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”. Essa norma dá margem à manifesta possibilidade de interpretação subjetiva por parte da administração pública em situações que podem envolver a legítima atuação jurídica. Devemos, por isso, estar atentos a eventuais tentativas de impedir a livre atuação do advogado, sob a falsa alegação de que estaria dificultando a atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos ou intervir em sua atuação.

Tem-se, assim, que a Lei no 12.846/13, se corretamente aplicada, vem preencher uma lacuna existente na legislação nacional: a efetiva responsabilização das pessoas jurídicas por atos ilícitos cometidos em seu favor. A necessidade de implementação de rigorosos mecanismos de compliance conferirá às empresas o papel de instrumento ativo no combate à corrupção. Espera-se, portanto, que a nova lei contribua para diminuir essa nociva prática, corriqueira em nosso país.