Manifestação escrita do Comitê Penal do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA
Manifestação escrita do Comitê Penal do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA sobre a “posição da advocacia na ‘mobília judiciária’”, elaborada aos 30.08.11.
Autores: Gustavo Neves Forte e Fernando Castelo Branco
PARECER
O Centro de Estudos da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Sul – CEOABRS, em manifestação assinada por seu Diretor-Geral, Dr. Jader Marques, solicita manifestação escrita do Comitê Penal do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA que represente “a opinião desta Entidade a respeito da posição da advocacia na ‘mobília judiciária’”, levando em consideração detalhado estudo sobre o tema, elaborado pelo Instituto Lia Pires.
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1. O estudo submetido à nossa apreciação abrange a disposição dos lugares destinados às partes nas salas de audiência, salas de sessão de julgamento dos Tribunais e no salão do Tribunal do Júri.
2. Conforme destacado pelo Instituto Lia Pires, a posição privilegiada destinada à acusação (Ministério Público e assistente de acusação) nas salas de audiências, salas de sessão de julgamento dos Tribunais e, com especial destaque, nos Tribunais do Júri coloca a Defesa em posição de inferioridade, ferindo princípios constitucionais basilares do processo penal.
3. Roberto Lyra, um dos mais renomados Promotores de Júri brasileiros, já reconhecia a “vantagem” que a posição do Ministério Público e de eventual assistente de acusação lhes dá em relação aos jurados:
“Comumente, a vantagem é da acusação que descarrega, além do mais, o prestígio do cargo contra estreantes e até acadêmicos. (…) O promotor público dispõe, além das prerrogativas, de poder de requisição, falando da mesma peça mobiliária em que têm assento o juiz e o escrivão, perto dos jurados.
E, o inadmissível: o assistente, ainda mais próximo, para os cochichos e os apartes mímicos” (O Júri sob todos os aspectos: textos de Ruy Barbosa sobre a Teoria e Prática de Instituição, Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1950, p. 18-9).
4. Não há dúvida de que o posicionamento diferenciado da Acusação, “falando da mesma peça mobiliária em que têm assento o juiz e o escrivão”, lhe dá vantagem, seja em relação a jurados ou a testemunhas – em especial quando leigos –, pegando de empréstimo para si a confiança depositada no Juiz , quando não ocasionando verdadeira confusão sobre as funções institucionais de cada um.
5. Argumenta-se, todavia, que essa diferenciação seria justificada pela prerrogativa dos membros do Ministério Público em “tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma”, conforme expressa disposição de sua Lei Orgânica Nacional (art. 41, XI, da Lei no 8.625/93), e também pelo costume, tendo em vista a tradição que nos envolve há séculos.
6. Deve-se lembrar, porém, que a prerrogativa ministerial deve ser interpretada por uma ótica sistêmica de nosso ordenamento jurídico, sob risco de ofensa a princípios gerais (no caso, em especial aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e da par conditio), que devem nortear a aplicação de todas as regras jurídicas.
7. Os valores constitucionais orientam a aplicação das leis, compondo o “contexto axiológico fundamentador ou básico para a interpretação de todo ordenamento jurídico; o postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição; e o critério para medir a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade” .
8. Na esfera penal, essa leitura sistêmica, sob a orientação dos fundamentos e direitos fundamentais constitucionais, mostra-se ainda mais relevante. José Frederico Marques destaca a supremacia das garantias individuais no Direito Penal, uma vez que está em jogo “o mais precioso dos bens jurídicos do indivíduo: o seu ius libertatis” .
9. O Processo Penal possui caráter de instrumento solucionador de conflitos, pelo qual se deve procurar o equilíbrio entre a força intervencionista do Estado (representada pela intenção de alcançar a punição do acusado) e o respeito integral aos direitos e garantias individuais do réu, extensivos, por óbvio, à sua defesa técnica.
10. Esse equilíbrio de forças entre a acusação e defesa é definido pelos princípios da paridade de oportunidades e da igualdade material entre as partes, que decorrem diretamente dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório, na medida em que se atribui direitos, faculdades e prerrogativas a todos os interessados no processo, distribuindo-os de forma igual.
11. Não basta, contudo, apenas uma concepção geral de igualdade. Deve haver efetiva simetria na idoneidade técnica dos ofícios da acusação e da defesa.
12. A igualdade de oportunidades não é uma configuração formal de oportunidades iguais. Ante o fundamento da dignidade da pessoa humana, que impõe um maior cuidado com aquele que poderá ter seu direito à liberdade sacrificado, e a constatação histórica de que, de um modo geral, a acusação criminal recai sobre indivíduos desfavorecidos no plano social e econômico, decorre uma tutela diferenciada ao direito de defesa no confronto com as prerrogativas conferidas à acusação .
13. Nesse contexto, mostra-se extremamente relevante a necessidade de que a prerrogativa ministerial de sentar-se ao lado direito dos Magistrados seja interpretada de forma a dar-se tratamento similar aos Advogados, em especial nos processos penais, em que figuram como partes processuais adversas.
14. Confirmando essa interpretação, estabelece a primeira parte do artigo 6o da Lei no 8.906/94 que “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”.
15. Também corroborando a necessidade de tratamento igualitário, constata-se que diversos países – com destaque para os Estados Unidos e a Inglaterra – já adotam a igualdade das partes e a equidistância perante o Juiz Presidente, em especial nos processos cuja decisão caiba a juízes leigos.
16. Por fim, não vislumbramos qualquer razão de ordem jurídica, política ou institucional para evitar que a Defesa e a Acusação ocupem lugares similares diante dos juízes togados, jurados ou das testemunhas.
17. Importante destacar que não se busca, com isso, privilégios para o acusado, e, muito menos, para seu Advogado. Trata-se de medida salutar para um processo penal eficiente, compreendido como aquele capaz de “assegurar um resultado justo e equilibrado, buscando atender aos interesses do acusado e dos órgãos de persecução penal” .
18. Ante o exposto, o Comitê Penal do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA manifesta sua integral concordância com os fundamentos e conclusões expostos no estudo elaborado pelo Instituto Lia Pires, entendendo ser imprescindível a formulação de proposta visando à equiparação da posição da Defesa em relação à Acusação nas salas de audiência, salas de sessão de julgamento e no salão do Tribunal do Júri.
São Paulo, 30 de agosto de 2011.
Comitê Penal do CESA Comitê Penal do CESA
Gustavo Neves Forte Fernando Castelo Branco
Relator Coordenador do Comitê Penal